sábado, 28 de setembro de 2013

Da alma



Num arremesso mal dado, justo neste dia cinzento, meu corpo se desmantelou e fugiu de mim deixando apenas a mente a funcionar. Vi o molambo se afastar irado, composto apenas de braços e pernas desconjuntadas no andar, me deixando com o sentimento de haver me tornado uma alma penada.
Aproveitei a separação para exercitar o desapego de tudo o que me faz ficar desanimada e saí à cata do que vale a pena buscar me dando conta que só olhando o entorno com a alma posso encontrar uma verdade mais ou menos.

Flanando sem rumo acompanhei indivíduos nus de propósitos dignos mas se esmerando no cumprimento da agenda que os faz correr ao camarim teatral diversas vezes ao dia, mudando as máscaras e as fantasias, se travestindo de dramáticos com códigos muito particulares, acreditando serem reais personagens de si.
A esta altura meu anfiteatro estava abarrotado de notáveis que se entreolhavam e alguns deles foram percebendo que se assemelhavam aos outros na malandragem ao tratar o próximo. Com coragem evadi do recinto as vilanias e aportei generosidade e coerência em boas doses para que no futuro eu não corra mais o risco de maltratar minha carne em excessivas concessões.

Desci dali aflita para reencontrar meu corpo físico fugido quando o avistei, muito bem humorado, sem a minha cabeça sempre culpada a lhe perseguir, a lhe ameaçar com fantasmas noturnos e lhe açoitar os músculos com ferro desde que nasce o dia. Sorri benevolente e me aproximei delicadamente, percebendo a seguir que a fuga desbragada tinha surtido efeito e ele parecia feliz por ver sua alma refeita se incorporar a si.
Conceder não mais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Carmen escreveu: "Sempre é um prazer ler teus textos!"

Anônimo disse...

Regina Helena escreveu: "Vá em frente. Abraços"

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