quarta-feira, 1 de julho de 2009

A graça da morte


Meu avô João Pedro morreu dormindo. Velho, ainda forte, viveu o domingo como todo mundo fala que é pra viver: como se fosse o último.

Eu, zanzinava na balbúrdia de choros e lamentações, pensando nesta morte serena e percebi em mim mesma um suave sorriso..de inveja. Tem graça maior ??? O corpo cessa de produzir seus fluídos e o leve arfar do velho já não existe.

Pensei no dia do meu avô, com a rotina domingueira cumprida à risca, chinelos arrastando e seu pensamento voando nas senilidades habituais.

A casa toda, agora me lembro, parecia obedecer um ritmo diferente, com leve cadência de quem tem toda vida pela frente e não precisa se apressar. Eu acho que minha avó Araci pressentiu, porque com um olhar e risinho de canto, sorria e abanava a cabeça ao observá-lo com curiosidade, neste dia.

Tão acostumada em lhe seguir os passos, foi velar o sono do meu avô, por um instante, e sentiu, mais do que percebeu, que ele não respirava. A sua tez, morena, forte, sem rugas, estava desanuviada de qualquer de pensamento. A boca, descansava frouxa, um pouco entreaberta. Suas mãos, outrora fortes e vigorosas, restavam murchas, ao longo do corpo. A respiração se fora, a vida abandonava a matéria, mansamente.

Delicada, sorrindo um pouco, meneou a cabeça bem junto do morto e disse: velho safado.


Um comentário:

Anônimo disse...

Querida Vera,
Esta crônica me lembrou um domingo ensolarado de inverno, onde até o relógio anda devagar ... Beijos. Juveni.

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