sábado, 25 de julho de 2020

Escondida



 A moça é bem bonita, tem passos rápidos e afunda minha calçada todo santo dia com seu cachorrinho de rico, depois sem o dito mas com o marido, porém surpreende  na terceira volta uma vez que vem sozinha, olhando para todos os lados como se quisesse se certificar que ninguém a segue ou simplesmente não a vê. Bem difícil nestes dias em que até as paredes tem olhos gigantes para rua buscando ver o que rola. Vale tudo: passarinho, pomba rola ou não, cavalo, carroça, catador e gente, claro.

Acontece que a moçoila rápida vem de última vez parecendo fugida de algo e descubro imediatamente ao persegui-la a partir do meu lado norte para o leste, correndo dentro da casa – vê se pode – para ver porque ela enveredou na esquina e não seguiu seu trajeto costumeiro em direção ao mar. Juro que me senti mal pela travessura, mas também, depois, achei que dar uma sacudida no garrão me fez bem, me espichei um pouco e me diverti com a curiosidade. 

A sequência foi interessante. Ao entrar na esquina, parou, tirou da cintura uma carteira de cigarro, olhou para os lados novamente, acendeu e deu uma longa baforada. Em seguida tomou um gole de alguma coisa que portava dentro de uma garrafinha colorida e eu tenho certeza que senti o cheiro de anis. Seguiu rápida, como sempre, alternando a tragada e um gole com um afã que me impressionou. Eu me debrucei na janela  - a que ponto cheguei - e a vi sumir pela rua em direção ao sul.

A moça bonita fuma escondida. O seu ritual acontece sempre no mesmo horário e todos os dias quando entra derrapando na esquina. Que sensação será que se tem de esconder um vício que se entrega pelo olfato e pelo bafo eu não posso imaginar. Porém, a quem será que ela quer enganar?

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