É sempre o inesperado quem
me acolhe ao lembrar minha Mãe e quase sempre é algo que vejo em mim, o que não
é difícil uma vez que estou envelhecendo e meus traços vão tomando um contorno
muito semelhante a ela como uma condição atávica.
Ao andar pela casa vou
tropeçando em quase tudo que lembra a casa dela porque alguns objetos fizeram
parte da minha vida toda. Além disso o jeito de arrumar é muito parecido. Quase
não possuo móveis modernos, os meus enfeites são as porcelanas e objetos que
vieram desde a casa em que nasci passando pelas doações de tia e avós. A minha
arrumação fica quase que sendo um santuário de lembranças e assim eu vou
vivendo sempre de olho no que é belo, que tem tradição e me conforta,
comprovando que eu não preciso de nada.
Na aparência acontece a
mesma coisa. Quando eu visto uma roupa colorida – que não é minha preferência –
fica claro que fui empurrada para aquele figurino como se houvesse uma força
maior. A mesma coisa acontece ao me olhar no espelho e ver em mim as rugas
dela, o cabelo escasseando nas têmporas e branqueando em torno do rosto como
assim foi em minha Mãe. Na manicure as mãos que se estendem na vaidade são
distintas na cor do esmalte, e então começo a perceber nossas diferenças.
Ao contrario de mim ela era
contida, não tinha o riso fácil e falava baixo, acho que era porque o seu
interior de artista brilhante puxava o seu melhor para dentro, guardando
elementos para poder dispô-los em suas artes manuais. Hoje eu sei que suas
gargalhadas migraram no entrelaçamento das tapeçarias que tecia constantemente
deixando um rastro dos seus sentimentos alegres e coloridos pendurado na parede.
O brilho do seu olhar estava
refletido nas mil miçangas com que bordou ponto a ponto meus vestidos de baile
e suas alegrias ficaram enfurnadas nas longas luvas de cetim que compunha o
traje que escondia meu braço magrelo e sem traquejo social, porém, minha Mãe
possuía glamour nato que assim me era conferido. Ainda escuto o rufar da
maquina de costura que ela acelerava com os pés parecendo um trem antigo que
ruidosamente lhe fazia companhia.
Não tenho o dom que minha
Mãe tinha para a costura e o bordado mas gosto de pensar que a minha intimidade
com a escrita e meu despudor em demonstrar o que me vai dentro da alma
costurando histórias através das letras vem deste talento dela.
2 comentários:
Boas lembranças, como é bom te-las e poder recordar. Lembranças, só os humanos tem. Lembranças boas, só os humanos bons tem.
Um reencontro que só a maturidade permite.
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