domingo, 28 de abril de 2019

Pedido



Intriguei-me com aquela frase que salientava que eu tivesse sucesso com meus pedidos para o novo ano inclusive aqueles que eu havia esquecido. Larguei imediatamente minhas orações e comecei a vasculhar o que de fato havia dentro de mim que fora relegado, abortado, enterrado e, se assim fosse, como eu poderia ter passado por cima de alguns temas sem me dar conta.

Não demorei muito para descobrir que por certo, ao colocar no tabuleiro da prece o que desejava ou necessitava, alguns assuntos se sobressaíram como inadequados ou impossíveis naquele momento e por isso os releguei. Surpreendi-me um pouco com a perspicácia do autor do aviso, mas foi pensando nele que segui na pesquisa desta suposta falha, com a certeza de ficar sabendo o que andava ocorrendo no meu íntimo que ele parecia conhecer muito mais do que eu.

Achei por bem investigar melhor porque, aparentemente, o que havia ficado de fora eram desejos tímidos, quase culpados e, examinando com mais profundidade a distribuição dos temas surgiu a impressão – por enquanto – de que o possível e o impossível ali estavam retratados de certo modo com fraqueza de demonstração.

Talvez eu tenha sido cautelosa demais na minha solicitação por antever a impossibilidade do cumprimento divino do que eu ansiava e assim me aparece nitidamente, em primeiro plano, a ingratidão que me foi imposta a quem tanto me dediquei e vejo agora que isto me fez imaginar que nem o Divino iria consertar. Foi por esta razão que o Universo travestido me recomendou repensar, rever, reconsiderar. Corri para ajustar a Távola da Reza colocando timidamente o quesito Perdão a quem me fere, e, um Amém a quem me avisa.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Uma ou muitas



Desta feita,  ser surpreendida com tantos símbolos de abertura, iguais no propósito e diferentes em seu contorno percebi que ali estaria uma boa oportunidade para abrir um norte honroso para esta mixórdia que anda rondando meu circuito ultimamente. Uma chave de fuga com missão de resgatar ou de aliviar dúvidas, paranoias e uma múltipla escolha de situações aborrecidas e que se mantem a certa distância me incitando a desaferrolhar o que incomoda.

Imperativo escolher com calma a chance que se pendura frente à oportunidade ímpar de vasculhar quantos ferrolhos são necessários para descobrir os fatos adversos que devem estar bem guardados, quiçá em cofres interpostos.  Fechaduras são todas iguais no seu conceito, no seu propósito e na sua engenharia. Os criadores de tão importante componente esmeram-se com rigor para imprimir o melhor segredo, que não seja assim tão fácil de ser desvendado, havendo uma aura de mistério e culpa se insurgindo neste quesito.

Os cofres que aprisionam meus assuntos parecem estar em alguns recantos, talvez um dentro de outro, me sugerindo que terei de penar para puxar a insanidade que o destino confeccionou com tanto rigor. Vou tirando da memória acontecimentos que se revelam como espinhos de flor escondidos em sua beleza mas algozes no ferimento, conversas que parecem chegar a um bom termo, porém se arruínam nem bem o prólogo iniciou, acontecimentos promissores em sua essência e que se esfarela no andar da carruagem, a confiança que tão rapidamente se aportou se parte como um cristal por quase nada e poderia haver muitas outras historias encerradas a chave. Decido ser cuidadosa com o meu sentir e por este motivo irei me servir daquela clave que irá abrir a caixa preta de assuntos promissores porque percebi que os de antanho não terão serventia.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

A carta



Vou escrever uma carta à mão e ainda não sei o destinatário porque tenho poucas palavras e muitos endereços. A tarefa a que me propus tem inúmeros desafios porque os dedos estão afastados do desenho discursivo e assim a magia da grafia sugere em todo momento desistir, inutilizar o pensamento em curso e assim receber os insights controversos do conteúdo. A escrita a mão possui muitas nuances, desde o som reverberando na superfície escolhida até o resfolegar da respiração que cadencia o pensamento que se expressa com mais ou menos velocidade.

Riscar o pensamento já posto é comum na escrita à mão e muitas vezes flechas erráticas são utilizadas para levar uma palavra ao alto, descer o outro vocábulo, dispor de parágrafos em outra sequencia e mais um sem número de disposições que no corrido do pensamento vão se impondo e interpondo com a mesma agilidade. No mais da emoção melhor enviar do jeito que está, sem passar a limpo, reiterando um recado e tanto para quem estiver do outro lado.

Não existe emoção maior do que a escrita no papel porque ela flui de acordo com as batidas do coração que oscila com maestria no registro da missiva, seja ela de que assunto for. Tudo o que nos propomos a comunicar tem uma entrega posterior ao sentimento daquele momento e pode acontecer que ao chegar ao seu destino as letras grafadas já não façam mais sentido. Tarde demais, o impresso com esta galhardia de tempos atrás tem valor com inserção profunda na alma de quem recebe.

Talvez a carta possua dez páginas manchadas de sangue e lágrimas, seja um bilhete escrito às pressas, reescrito, amassado contendo mais sofrimento em sua aparência do que na sua composição. Os conteúdos produzidos diretamente no papel são sempre dramáticos, mais não seja por sua insuficiência de cultivo e ao chegar ao seu destino talvez sejam abertos com febril ansiedade ou descartados sem qualquer conferencia.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Falta sempre


Volta e meia aparece uma falta contumaz que vai interferindo nos amanheceres da vida como se fosse uma interposição para deixar o momento de agora com indagações sobre assuntos que com certeza se esfarelaram no tempo, se redimiram do seu propósito e viraram nada, se esconderam por vergonha de terem agido desta ou daquela maneira, perpassando tantas situações que o enredo traz certa lassidão, de fato.  

Porém, as marcas estão ali, indeléveis nas nervuras incontestes do coração que reclama uma resposta sincera do amor que se foi sem dizer adeus, do amigo que sumiu do mapa depois de tanto usufruir o seu prestigio, conselho e  companhia, do parente que limou com capricho as barras familiares deixando de lado o protocolo mínimo de convivência, daquela pessoa que ressurgiu nos braços da internet e assim como veio foi, deixando um rastro meteórico que nunca mais irá se apagar, sem falar na dúvida que surge sobre vida e morte, que de certo não avisa quando chega. Talvez o imprevisível aconteça, mas, como saber?

A ausência se apresenta arguciosa, como um perfume que paira no ar sem sabermos sua origem, que confunde a estirpe da fragrância que pode se afundar em nossas lembranças sensoriais e deste jeito bem lúdico apresentar um tabuleiro incrível de fatos passados. Chegam disfarçados e, com frequência, vão modulando a percepção das lacunas no interregno da vida tornando-se, sem querer, fato relevante. A importância dada às faltas contumazes chega como prenúncio de vale de lágrimas que se habilitam a purificar a alma por tudo e por nada.

sábado, 13 de abril de 2019

Duas vidas



Um é moço e outro é velho, mas o que intriga são as caminhadas matinais e em finais de tarde, sempre antes de o sol nascer e depois que se despediu. Eles possuem o mesmo ritmo, parecendo que o cansaço bateu aos dois provavelmente por diferentes motivos, mas nestes dois tempos em que se arrastam até a beira do mar a cadência é a mesma com leve discrepância.

O mais moço tem muito vigor, porém, seus olhos são como faróis baixos que perscrutam incessantemente o caminho a seguir, pisando com muito cuidado o pedregulho, causando certa surpresa uma vez que para os jovens, andar depressa sempre é natural, mais não seja pelas pernas fortes, pela pressa do amanhã, pela urgência de chegar e pelo brio do sangue quente correndo com pressa no corpo. Visto de longe os ombros pesam, o olhar é vago e a passada titubeante demonstra que existe alguma coisa de contraditório. Observando com mais vagar percebe-se que ao invés de o entorno por onde caminha o circundar e acolher, aparentemente o que se apreende é o contrário. O mundo se aboletou em sua garupa e o peso transparece fisicamente.

O velho, na contrapartida, pisa sempre firme e com mais vagar, seus olhos miram o mar que é sempre seu destino todos os dias. Suas pernas são fracas, mas a pisada é segura, sua cacunda é encarquilhada e firme, seus braços estão descansados nos bolsos, seu cabelo farfalha ao vento, não veste nada pesado, seus pés estão livres de quaisquer amarras e mesmo assim se conservam quentes. O corpo vibra com o ar gelado, se mantendo forte frente às intempéries que lhe fazem sorrir, porque, afinal, a natureza está em conluio com seu corpo alquebrado balizando seus pensamentos que certamente possuem a velocidade da luz.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Marcas



Tentar apagar uma garatuja simplória em seu conceito calado é difícil, não porque a borracha não deu conta do recado, mas pelo fato mais ilusório de que o símbolo não quer ir para outro lugar. Ali, naquele caderno deseja se assentar e, mesmo emudecido o traço afundado necessita cumprir o seu destino com ardor, afinal, não é apenas um risco, é um símbolo com uma importância universal, tendo o poder de esquentar as almas mais sombrias.

A cápsula grafada neste papel significa a alegoria do órgão vital que dá vida a todo ser humano, não fugindo do codinome de ser o fiel depositário das mais variadas emoções, que perpassam nossa alma, nosso cérebro em movimento e até o ar que respiramos.  É nesta simples figura que guardamos nossas emoções e estas, boas ou más vão deixando um séquito de nervuras indeléveis que pautam nosso vai e vem, desde quando o sol surge na beira do mar até quando resolve descansar na serra.

A fama da figura é de enlevo, poesia, suspiros de amor com toda ode de poetas e afins centrados na missão de condicionar todo sentimento ao bombeamento do referido. O cofre com tão delicado desenho vai abarcando os sentimentos de alegria, amor, raiva, tristeza e o que mais lhe aprouver reunindo deste modo conteúdo que possamos discernir o que favorece o que acrescenta, o que redime, o que engrandece.

A tentativa de apagar o desenho borrado feito em um impulso de amor, uma tentativa de lembrar a felicidade perdida, o propósito de tentar desaparecer com algum sentimento refratário que insiste em ali permanecer é absolutamente nula. O coração, por onde anda, deixa marcas.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Esfarrapada



Ando me sentindo esfarrapada como se eu fosse um velho livro e minha vida estivesse ali toda descrita em pormenores, sem que eu possa intervir, sem que eu possa corrigir os parágrafos, sem que eu tenha sequer o direito de retirar as marcações que não imagino quem as tenha feito. Além disso, o compêndio se esfarela a olhos vistos parecendo que o tempo anda furioso e não aguarda reparos.

Surgiu, o dito-cujo, de dentro de uma das gavetas onde organizei a historia de antes até agora, onde em caixas, envelopes, atilhos, fitas e grampeadores organizei situações, e, em pequenos feixes fui separando de tudo um pouco, não esquecendo de fazer picadinho de todos os infortúnios que por ventura ali estivessem registrados. Não os joguei fora, uma vez que deles eu merecia lembrar, para que, pelo menos, não me ocorresse cegueira semelhante.

Como a publicação se desfolhando me encarava sem dó, achei de bom tom realizar um escrutínio caprichado, assim, eu poderia constatar se o conteúdo era verossímil ou se poderia ser uma pegadinha da idade que volta e meia imagina coisas. Assim, adentrei em uma viagem ao passado registrado em letras o que, de cara, parece assustador. As lembranças são fluídas e, dependendo do estado de espirito, voláteis e bem mais confortáveis do que tudo descrito no prelo.

No primeiro momento, assentei-me com conforto e puxei o farrapo ao colo, deixando suas páginas em um balanço comovente aos meus olhos e assim fui escrutinando apenas retalhos de textos marcados, palavras soltas grifadas, alguns intervalos na redação inexplicáveis e expressões que pendiam para dúbia interpretação o que me deixou em completo desvario. Era um registro que se fragmentava em pleno curso, um bom sinal para os dias de hoje.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...