terça-feira, 2 de abril de 2019

Esfarrapada



Ando me sentindo esfarrapada como se eu fosse um velho livro e minha vida estivesse ali toda descrita em pormenores, sem que eu possa intervir, sem que eu possa corrigir os parágrafos, sem que eu tenha sequer o direito de retirar as marcações que não imagino quem as tenha feito. Além disso, o compêndio se esfarela a olhos vistos parecendo que o tempo anda furioso e não aguarda reparos.

Surgiu, o dito-cujo, de dentro de uma das gavetas onde organizei a historia de antes até agora, onde em caixas, envelopes, atilhos, fitas e grampeadores organizei situações, e, em pequenos feixes fui separando de tudo um pouco, não esquecendo de fazer picadinho de todos os infortúnios que por ventura ali estivessem registrados. Não os joguei fora, uma vez que deles eu merecia lembrar, para que, pelo menos, não me ocorresse cegueira semelhante.

Como a publicação se desfolhando me encarava sem dó, achei de bom tom realizar um escrutínio caprichado, assim, eu poderia constatar se o conteúdo era verossímil ou se poderia ser uma pegadinha da idade que volta e meia imagina coisas. Assim, adentrei em uma viagem ao passado registrado em letras o que, de cara, parece assustador. As lembranças são fluídas e, dependendo do estado de espirito, voláteis e bem mais confortáveis do que tudo descrito no prelo.

No primeiro momento, assentei-me com conforto e puxei o farrapo ao colo, deixando suas páginas em um balanço comovente aos meus olhos e assim fui escrutinando apenas retalhos de textos marcados, palavras soltas grifadas, alguns intervalos na redação inexplicáveis e expressões que pendiam para dúbia interpretação o que me deixou em completo desvario. Era um registro que se fragmentava em pleno curso, um bom sinal para os dias de hoje.

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