sábado, 13 de abril de 2019

Duas vidas



Um é moço e outro é velho, mas o que intriga são as caminhadas matinais e em finais de tarde, sempre antes de o sol nascer e depois que se despediu. Eles possuem o mesmo ritmo, parecendo que o cansaço bateu aos dois provavelmente por diferentes motivos, mas nestes dois tempos em que se arrastam até a beira do mar a cadência é a mesma com leve discrepância.

O mais moço tem muito vigor, porém, seus olhos são como faróis baixos que perscrutam incessantemente o caminho a seguir, pisando com muito cuidado o pedregulho, causando certa surpresa uma vez que para os jovens, andar depressa sempre é natural, mais não seja pelas pernas fortes, pela pressa do amanhã, pela urgência de chegar e pelo brio do sangue quente correndo com pressa no corpo. Visto de longe os ombros pesam, o olhar é vago e a passada titubeante demonstra que existe alguma coisa de contraditório. Observando com mais vagar percebe-se que ao invés de o entorno por onde caminha o circundar e acolher, aparentemente o que se apreende é o contrário. O mundo se aboletou em sua garupa e o peso transparece fisicamente.

O velho, na contrapartida, pisa sempre firme e com mais vagar, seus olhos miram o mar que é sempre seu destino todos os dias. Suas pernas são fracas, mas a pisada é segura, sua cacunda é encarquilhada e firme, seus braços estão descansados nos bolsos, seu cabelo farfalha ao vento, não veste nada pesado, seus pés estão livres de quaisquer amarras e mesmo assim se conservam quentes. O corpo vibra com o ar gelado, se mantendo forte frente às intempéries que lhe fazem sorrir, porque, afinal, a natureza está em conluio com seu corpo alquebrado balizando seus pensamentos que certamente possuem a velocidade da luz.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...