quinta-feira, 18 de abril de 2019

A carta



Vou escrever uma carta à mão e ainda não sei o destinatário porque tenho poucas palavras e muitos endereços. A tarefa a que me propus tem inúmeros desafios porque os dedos estão afastados do desenho discursivo e assim a magia da grafia sugere em todo momento desistir, inutilizar o pensamento em curso e assim receber os insights controversos do conteúdo. A escrita a mão possui muitas nuances, desde o som reverberando na superfície escolhida até o resfolegar da respiração que cadencia o pensamento que se expressa com mais ou menos velocidade.

Riscar o pensamento já posto é comum na escrita à mão e muitas vezes flechas erráticas são utilizadas para levar uma palavra ao alto, descer o outro vocábulo, dispor de parágrafos em outra sequencia e mais um sem número de disposições que no corrido do pensamento vão se impondo e interpondo com a mesma agilidade. No mais da emoção melhor enviar do jeito que está, sem passar a limpo, reiterando um recado e tanto para quem estiver do outro lado.

Não existe emoção maior do que a escrita no papel porque ela flui de acordo com as batidas do coração que oscila com maestria no registro da missiva, seja ela de que assunto for. Tudo o que nos propomos a comunicar tem uma entrega posterior ao sentimento daquele momento e pode acontecer que ao chegar ao seu destino as letras grafadas já não façam mais sentido. Tarde demais, o impresso com esta galhardia de tempos atrás tem valor com inserção profunda na alma de quem recebe.

Talvez a carta possua dez páginas manchadas de sangue e lágrimas, seja um bilhete escrito às pressas, reescrito, amassado contendo mais sofrimento em sua aparência do que na sua composição. Os conteúdos produzidos diretamente no papel são sempre dramáticos, mais não seja por sua insuficiência de cultivo e ao chegar ao seu destino talvez sejam abertos com febril ansiedade ou descartados sem qualquer conferencia.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...