Vou escrever uma carta à mão e ainda não sei
o destinatário porque tenho poucas palavras e muitos endereços. A tarefa a que
me propus tem inúmeros desafios porque os dedos estão afastados do desenho
discursivo e assim a magia da grafia sugere em todo momento desistir,
inutilizar o pensamento em curso e assim receber os insights controversos do
conteúdo. A escrita a mão possui muitas nuances, desde o som reverberando na
superfície escolhida até o resfolegar da respiração que cadencia o pensamento que
se expressa com mais ou menos velocidade.
Riscar o pensamento já posto é comum na
escrita à mão e muitas vezes flechas erráticas são utilizadas para levar uma
palavra ao alto, descer o outro vocábulo, dispor de parágrafos em outra
sequencia e mais um sem número de disposições que no corrido do pensamento vão
se impondo e interpondo com a mesma agilidade. No mais da emoção melhor enviar
do jeito que está, sem passar a limpo, reiterando um recado e tanto para quem
estiver do outro lado.
Não existe emoção maior do que a escrita no
papel porque ela flui de acordo com as batidas do coração que oscila com
maestria no registro da missiva, seja ela de que assunto for. Tudo o que nos
propomos a comunicar tem uma entrega posterior ao sentimento daquele momento e
pode acontecer que ao chegar ao seu destino as letras grafadas já não façam
mais sentido. Tarde demais, o impresso com esta galhardia de tempos atrás tem
valor com inserção profunda na alma de quem recebe.
Talvez a carta possua dez páginas manchadas
de sangue e lágrimas, seja um bilhete escrito às pressas, reescrito, amassado
contendo mais sofrimento em sua aparência do que na sua composição. Os
conteúdos produzidos diretamente no papel são sempre dramáticos, mais não seja
por sua insuficiência de cultivo e ao chegar ao seu destino talvez sejam
abertos com febril ansiedade ou descartados sem qualquer conferencia.
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