sábado, 10 de março de 2018

Roubo da alma



Foi sem sentir que ocorreu a subtração ou pelo menos eu não notava que estavam me tirando algo, surripiando de dentro de mim coisas tão importantes que provavelmente eu não poderia viver sem elas, aliás, nem cogitar ao meu próprio pé de ouvido eu ousaria. Parecia um processo descontrolado ao qual eu não tinha poder para tomar conhecimento real, assim como de modo nenhum poderia interferir. A sensação era de estar dominada por algo muito mais forte do que eu, da minha vontade e da minha capacidade de decidir sobre mim mesma.

Ao perceber este movimento insano com os meus sentimentos, meus valores, minha rotina e o mais profundo da minha alma me coloquei em guarda para ter apenas a possibilidade de observar o que acontecia e assim o tempo andou celeremente fazendo as tais mudanças e eu ali, no meu observatório particular sem entender direito, mas achando interessante aquele descarte de mim mesma sem que eu autorizasse.

Compreendi que o afano se concentrava nos assuntos que me causavam aborrecimento, mas eu não entendia que os pudesse tirar de mim porque os mesmos faziam parte da minha vida, porém ao pensar com mais vagar dei-me conta que estes mesmos que agora estavam em movimento eram justamente assuntos que me revolviam o estomago, que me dilaceravam por dentro, que me tiravam o humor, que me faziam ser quem eu não desejava.

De um momento para o outro, de tanto ficar olhando o que acontecia sem me meter, de ter os olhos abotoados para o que me passava em frente achei por bem olhar o que ficou porque me pareceu que o movimento havia cessado e o pouco que restava, para meu assombro, dentro da minha alma, é o que eu sempre fui.

Ali estava minha essência aflorada, reinando sozinha, deixando à tona minha alma sem conflito com poder de escolha equânime em relação aos acontecimentos da vida inevitáveis. Depois do roubo do excesso, o singular figura com toda a simplicidade e vai desdobrando para mim tudo o que ando querendo fazer e ser, colocando como prioridade as simplicidades do cotidiano que se consegue sem esforço extra, sem ocultar a personalidade, sem disfarces e sem esconderijos.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...