Foi sem sentir que ocorreu a subtração ou
pelo menos eu não notava que estavam me tirando algo, surripiando de dentro de
mim coisas tão importantes que provavelmente eu não poderia viver sem elas,
aliás, nem cogitar ao meu próprio pé de ouvido eu ousaria. Parecia um processo
descontrolado ao qual eu não tinha poder para tomar conhecimento real, assim
como de modo nenhum poderia interferir. A sensação era de estar dominada por
algo muito mais forte do que eu, da minha vontade e da minha capacidade de decidir
sobre mim mesma.
Ao perceber este movimento insano com os meus
sentimentos, meus valores, minha rotina e o mais profundo da minha alma me
coloquei em guarda para ter apenas a possibilidade de observar o que acontecia
e assim o tempo andou celeremente fazendo as tais mudanças e eu ali, no meu
observatório particular sem entender direito, mas achando interessante aquele
descarte de mim mesma sem que eu autorizasse.
Compreendi que o afano se concentrava nos
assuntos que me causavam aborrecimento, mas eu não entendia que os pudesse
tirar de mim porque os mesmos faziam parte da minha vida, porém ao pensar com
mais vagar dei-me conta que estes mesmos que agora estavam em movimento eram
justamente assuntos que me revolviam o estomago, que me dilaceravam por dentro,
que me tiravam o humor, que me faziam ser quem eu não desejava.
De um momento para o outro, de tanto ficar
olhando o que acontecia sem me meter, de ter os olhos abotoados para o que me
passava em frente achei por bem olhar o que ficou porque me pareceu que o
movimento havia cessado e o pouco que restava, para meu assombro, dentro da
minha alma, é o que eu sempre fui.
Ali estava minha essência aflorada, reinando
sozinha, deixando à tona minha alma sem conflito com poder de escolha equânime
em relação aos acontecimentos da vida inevitáveis. Depois do roubo do excesso,
o singular figura com toda a simplicidade e vai desdobrando para mim tudo o que
ando querendo fazer e ser, colocando como prioridade as simplicidades do
cotidiano que se consegue sem esforço extra, sem ocultar a personalidade, sem
disfarces e sem esconderijos.
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