domingo, 24 de maio de 2015

Aquela porta


Quase sem querer, praticamente, abri aquela porta com certo vigor porque eu precisava de ar. Ando sempre precisando de brisa fresca como se todas as ventanias e aragens não são suficientes para oxigenar meu corpo. Parece-me, às vezes, que todo o meu corpo carece de ar, uma vez que ando me sentindo como uma máquina trincada, tudo ruge com estardalhaço e então enfiando a cabeça no mundo aspirei aliviada o ar da noite, contemplei o céu estrelado e os ventos mornos.

Quando resolvi voltar, a porta não quis fechar. Ficou ali estaqueada, empedernida, me desafiando. Nem que eu colocasse toda minha força ela não se mexia. Sentei frente aquela fresta para a rua, que aparentemente veio para ficar, tentando imaginar o recado.

Dei outra espiada para fora e não vi mais a noite, mas os dias ensolarados e vertiginosos que passavam por mim sem que eu sequer pudesse alcançar os havidos. Havia também conversas de final de tarde e um alvoroço do qual eu não fazia parte e me senti invisível aos acontecimentos. Enxerguei amigos, familiares, conhecidos e muitas outras pessoas transitando com pressa, desencontrando-se, olhando à frente, mas tão à frente que dificilmente um olhar ali iria se cruzar. Senti o peso de mensagens rápidas se tornarem lufadas desinteressadas, observei que de fato a conexão é mais uma palavra que carece de sentido da verdade e assim o passa-passa do improvável me fez recuar a vista.

Eu não queria mais olhar para a filmagem dos dias que corriam, porque ali não encontrei ninguém de fato, não recebi nenhum vínculo plausível, não consegui ver a vida arejada que eu estava tentando entender através da abertura desta oportunidade que me veio trincada parecendo um desafio.


Teimosa, encarei a porta como se ela fosse culpada por eu ter tido uma coragem besta de ir espiar o mundo e voltar com os olhos sem luz, sem foco e sem brilho. Resignada, empurrei de volta o vão aberto que agora se fechou docemente, como se pedisse perdão. 

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