sábado, 27 de dezembro de 2014

O banco


O desafio desta época é ver aquele banco de praça lotado, destoando do ambiente normal do ano, onde o que mais tem vida são as ondas do mar, a cachorrada de rua engalfinhada, a areia correndo solta com ventos do norte e as garças perdidas pelo lado de cá, provavelmente aliviadas da superpopulação que impera em tempos de calor.

Eu o tenho sempre na mira e ouço todas as suas histórias com olho no olho quando ele está vazio, uma vez que nossa fala é a única por estes lados. Ele não pranteia a falta de companhia, não se irrita com os passarinhos pousando em si nem com os galhos de árvores que lhe vem por cima. Não se sente inútil por ficar tanto tempo sem que ninguém ali se sente para o descanso, não se verga quando o vento bate forte e não se importa quando a chuva vem lhe açoitar. Passa seu tempo sempre como novo. Inabalável.

Temos muito em comum eu e ele, a começar o gosto pelo silêncio, pelo desejo de solidão imponderável, pelo acolhimento de todas as falas mesmo as mais rudes não conseguindo de nenhum modo revidar e pela situação contumaz de se fincar no mesmo lugar. Não gostamos de partir, porém há sempre àquela hora em que ele, quer apodrecer e desistir de estar ali à mercê de tudo e de todos, e eu, agonizo a todo o momento porque o trem da minha partida não me fornece a data, nem o horário e local.

Porém, nem tudo é defeito. Ambos gostamos de ouvir conversas, as mais interessantes, as mais vulgares, as mais inteligentes e as mais burras. Mesmo não metendo o bedelho no assunto ouvido temos a certeza que esta pauta nos alimentará por alguns dias.

E é chegada a hora dele, do banco, ela sempre vem, quando a mais variada das criaturas vem se assentar em seu dorso e destrambelhar seus assuntos. A fauna humana se estabelece quando começa a esquentar e a sucessão de causos compartilhados em cima dele o deixa em lastimável estado de confusão.

É através dele que a fofoca toma corpo, o comentário maldoso em relação à vizinhança tem vida própria, a erva amarga e o gole etílico trocam figurinhas, a mulher de um alfineta a do outro, o homem ignorante agride quem não conhece a mulher sem escrúpulos inventa e maldiz.

Fico olhando de longe meu amigo banco sempre tão bem intencionado. Assim como ele muitos dentre nós, só que em muitas ocasiões só nos resta ser o observatório da vida em movimento.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Só que em muitas ocasiões só nos resta ser
O OBSERVATORIO da vida em movimento" é isso ...maturidade nos sentimentos nos leva a condição de expectadores do q não podemos modificar .....

Anônimo disse...

O Banco escutando as histórias que Nós contamos sem saber o qto somos parecidos! Ele vendo a Vida passar e Nós passando pela Vida...

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