Quando penso em meu pai lembro, em primeiro lugar, de um grande jornal e ele por detrás do mesmo me fazendo pensar como seria ficar tanto tempo entretido atrás daquele papel, preto e branco, áspero e que sujava as mãos. Depois, vinha o telefone preto em que se enfiava o dedo no buraquinho redondo com o numero e se conversava com a telefonista, havendo depois, uma longa espera para que o dito cujo aparelho voltasse a tocar. Aí, sim, que sina a nossa assistindo sem nada entender horas e horas de conversas e até hoje tenho a impressão que ele comandava tudo por ali, o mundo e todos nós. Ultimamente ando pensando que o meu amor por ler jornais e falar ao telefone – que coisa antiga - começou ali, do hábito dele se informar e se comunicar. Para fora, bem entendido.
A feição dele era muito
resoluta e séria, mas se amenizava quando nós os três irmãos nos escondíamos atrás
das cortinas do quarto para ele nos encontrar, quando chegava de suas longas
viagens. Ele também não ria muito em casa, hábito bem comum nos adultos daquela
época, ou, talvez, porque não quisesse nos dar balda.
Eu lembro também do cheiro
dele que rescindia a charuto e em uma época houve o fumo de cachimbo que eu
adorava. Gosto até hoje e levanto o nariz perseguindo o aroma quando circulo
por algum lugar na cidade que recebe os adeptos. Os hábitos de casa também me
vêm à mente como o ranger da porta do armário em que ficava o uísque preferido,
o som seco do gelo ao cair no copo e depois o borbulhar da água mineral complementando
o drink
especial de época. O copo alto de cristal com desenhos primorosos e de cores
suaves, eram perfeitos na degustação da bebida. Ele era um patriarca de bom
gosto.
A música clássica ecoava
pela casa e quando ele ficou estafado acho que parte da cura veio através dos
múltiplos vinis que lhe fizeram companhia em todos os momentos em que se
recuperava. Eu ficava de longe, espiando e rezando para sentir novamente o
cheiro dos seus tabacos maravilhosos e do buquê de suas bebidas pedindo a Deus
que os jornais chegassem aos milhares e que o telefone nos ensurdecesse, só
para vê-lo circular autoritário – quem diria – pela casa. Mesmo assim ficava eu
em silêncio porque naquele tempo criança não falava. Calada eu já era, então,
piorei.
Ele era um homem poderoso e
visionário com todos os seus talentos aperfeiçoados por vontade própria, um
autodidata esforçado e com esta vontade férrea andou sempre para frente. De todos os talentos dele eu não herdei nenhum,
a não ser a teimosia em seguir apesar de.
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