Eles vieram a mim bem juntinhos, como eu queria, se parecendo muito fisicamente e desde sempre um completava o outro. O mais velho já parecia intuir a fragilidade da vida, dos caminhos já prescritos e por esse motivo se adiantou muito ao caminhar, ao falar corretamente e eu agora tenho certeza que ele já sabia que não podia perder tempo em tropeçar nas letras e saiu articulando suas histórias ainda bem pequeno.
O olhar era surpreendente com uma cor azul tão intensa e profunda que me deixava inquieta me fazendo tomar uma distância daquele olhar que – hoje eu sei – parecia estar sempre se despedindo ou talvez pedindo perdão pelo que seria nosso futuro tão curto juntos.
Era criança apressada, tinha insônia, vagava pela casa a noite, via televisão que naquela época era preto e branco, via novelas e as entendia se apaixonava na pré-escola como se adulto fosse fazendo a corte como antigamente, ofertando uma rosa, fazendo uma declaração e querendo sempre ter a companhia da menina objeto de sua paixão. Ninguém entendia, mas ele sim.
Entrava sempre na casa dos avós com sorriso e um “Oi Vó” e bem resoluto já ia se chegando aos brinquedos, sempre com o irmão a tiracolo. Hora montando lego, fazendo cidades com os “toquinhos” que eram de minha infância, rolando no chão com o meu pai que virava um cavalinho, um gato ou um cachorro, o que fosse que aqueles dois meninos inventassem.
Com o irmão menor se colocou como intérprete e traduzia todas as suas palavras, interpretava o muxoxo de desagrado assim como suas lágrimas, me alertando o que se passava na alma do irmão. Até o olhar do pequeno era revelado em palavras me fazendo correr para consertar meu desaviso ou acudir na sua mágoa ou necessidade. Tantas e tantas vezes me voltei ao pequeno para perguntar algo mas a resposta veio do irmão mais velho com o olhar complacente e sorriso cúmplice do menor.
E chegou o dia em que ele partiu
afoito e sem aviso, deixando um vácuo em nossas almas que até hoje persiste
apesar do empenho em celebrar a convivência de um anjo em nossas vidas, mesmo
que por tão pouco tempo. Daniel era o nome dele.
3 comentários:
Se o mais importante da escrita é transmitir emoção, o teu texto o alcança totalmente. Um carinhoso abraço.
Maria Rosa
Lágrimas escorrendo.Beijo no teu coração.
Linda crônica sobre esse meu coleguinha Daniel!! Obrigada, Vera.
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