Um título que une com o mesmo propósito iguais letras que
se diferenciam claramente na construção da escrita não se distanciando,
entretanto, do sentido proposto!
Quem
sou – por Vera Lucia Renner
Resolvi aceitar o desafio de
eu mesma me perguntar “Quem sou” após ter lido artigo semelhante muito bem
escrito pelo meu interlocutor favorito para assuntos literários e imaginei que se
eu mesma discorresse sobre o tema talvez chegasse a um resultado inusitado,
estranho, descabido e diferente do dele obviamente. As histórias são diversas,
mas ao fim e ao cabo todos somos parecidos até que se decida o contrário, se
duvide, renegue ou renuncie a visão que os outros deliberam ter, para o bem ou
para o mal, de “nosotros”.
Lembro que até bem pouco
tempo a roupagem que me cobria estava enredada e sufocada para acolher quem deveria
ser, aceitando sem reclamar as imposições da vida, estas que aí estão
embarafustadas de rotina do a dia a dia e que vão se incorporando como uma lama
astral nefasta que molda a existência e se prende ao absurdo dos outros. O de
fora desconhece o de dentro e deste jeito incomum de existir me fui vida afora
cumprindo ritos alheios.
Por mais que eu quisesse e
me empenhasse não encontrava aquela que estava ali à mostra de todos e que, por
certezas outras, deveria ficar escancarada, uma vez que está em minha frente,
em letras garrafais, a epígrafe de quem eu devo ser. Apresentava-me ao mundo cumprindo à risca o
rito de passagem de quem eu sou para o que esperavam, melhor dizendo, do que
exigiam. Sou ré confessa que por minha conta e risco não consegui escapar deste
universo que nos rouba a alma. A minha e mais um tanto de gente. É o protocolo
da existência.
Foi com um tapa na cara da
vida muito bem dado, que vim a mim com tanto vigor que em poucos dias as
dúvidas e as reflexões antigas tomaram um rumo vertiginoso dentro de mim
derrubando as muralhas do mundo adverso que me aprisionava e, uma por uma, foi
caindo a máscara de quem sempre se apresentou com perfil duvidoso. Significou um acordar do sono em berço
esplêndido e ao descer deste púlpito comum a todos me deparei comigo mesma, essa
daí que de ora em diante rejeita qualquer rótulo, bem ou mal feito, e que tem
nas letras, na solidão, no vento, no sol e no mar a companhia desejada. Por fim
o resgate de uma criança que, ao crescer, ignorou sua memória seletiva.
Quem sou – Por Nelson
Pafiadache
Meu
nome é Nelson e nascido em 1954, em Montenegro, RS. Cheguei para partilhar uma
casa com mais cinco irmãos. Seis anos
depois, atravessei a rua para a casa nova e “fim do aluguel”- sussurrava meu
pai! Logo alguns dias na nova morada, veio meu batismo de fogo escolar, pois
diante da minha resistência em escrever toda letra “o”, sem tirar o lápis do
papel para finalizá-lo, fiz minha mãe dedicar-se parte de uma manhã, através de
severo método, para consumar o desiderato.
De lutar para sobreviver ela sabia muito, mas
de didática não tinha essa de que “vovô viu a uva e não pôde comer, porque não
tinha dinheiro”. Contrariando Freire, achava que o vovô devia ter guardado um
dinheirinho ou se contentar com uma laranja comum do fundo do quintal!
Na sua despedida, tendo vivido mais de
90, me senti grato por tanto que dela recebi, mas ficaram três questões em
aberto; duas iria constrangê-la e a terceira era sobre a relevância da feitura
do meu “O” desenhando uma rodinha e passado um risquinho no terço superior.
Intuo que por ser muito exigente, achava que não se podia perder nos detalhes
que estragava o todo. Não gostava de populismo e menos ainda do politicamente
correto, era o que era e pronto!
Dado este confinamento e ser do
rotulado grupo de risco, pela idade, saúde, pensamento e obra, por minha culpa,
tão grande culpa, Hosana nas alturas, volto a escrever um pouco e refletir
muito mais, pois este segundo não se submete a nada e a ninguém. Escrever é
arte que milhares aderem, mas com maestria, raros. O leitor sabe reconhecer
quem é do ramo e que lhe faz bem, feito cloroquina nos primeiros dias!
Das
reflexões confesso algumas perquirições existenciais e volta e meia me pego a
buscar saber quem sou eu, do que sou capaz, de como possam me conceber os
outros e com que acerto ou engano. Olho para os circundantes e ficou a imaginar
se depois de tantos anos, possam saber quem soy yo? Se sou eu e minhas
circunstâncias ou se minhas circunstâncias nem são objeto de tanta relevância.
Alguém saberia avaliar ou conhece algum instrumento para medir isso?
Mas lá pelas tantas trato de a tudo
simplificar e pensar que sou muito parecido com todos. Mas mesmo assim, importa
descobrir quem sou eu, imaginado por mim e concebido pelos outros. Se me
escondo de mim, por vezes, hei de ter me escondido de tantos e tantas vezes,
porque precisamos sobreviver, até pelos truques, fintas, jogadas, nem todas com
aparência tão ética, tão morais, apenas importando não se afeiçoar com essa
forma de reagir, apenas usá-las em estado de necessidade ou em legítima defesa,
para sobreviver nesta selva dos homens.
Então, quem sou eu? Sentencio: Sou
quem eu sou e um pouco sou aquilo que pensam quem eu possa ser. Às vezes
coincide noutras, nem a dezena do jogo do bicho acerta, mas o que importa é que
eles também sigam nessa inquietação, que é em verdade uma parte do viver, essa
luta de indefinições até mesmo que sendo quem somos, vale para a vida e nada
para a morte morrida ou matada, menos de amor, porque disso nunca assisti
exéquias!