Ouvi não sei bem onde que a
mania dos dispensados de viver dignamente a sua liberdade resolveu de outra
maneira sua condição de presidiário por causa da sua má sorte por ser velho e –
por isso mesmo – possuir alguns itens faltando na composição de sua máquina
administrativa corporal e outros sobrando, e assim, tanto um quanto outro, que
estão em regime controlado é pego no pulo levando a culpa.
Na sequência dos delírios
restantes ouve-se a boca pequena que a intelectualidade perdendo um pouco de
sua voz anda vociferando com timbre rouco que não consegue alcançar a porta da
rua. A voz vai baixando tanto o tom que chega a ficar inaudível e por
consequência a mente vai tomando certa preguiça porque não tem mais
interlocução viva e real.
A história contada começa
naquela casa que abriga personagens pensantes acima da média e que ao se verem
cerceados da troca de ideias com seres humanos (e não com imagens) vão surtando
e buscando outras distrações no corpo físico da residência.
O cara que possui mãos de um
“lord” resolve, por força das circunstâncias, tomar para si tarefas de pedreiro
e se joga na garagem a tirar a poeira do ferramental que não usa desde há
muitíssimo tempo ou talvez, só as tenha por ter sido presenteada por alguém que
ele nem lembra mais. Seus apetrechos sempre se concentraram em cima de uma
escrivaninha.
Decidido e com os músculos a
flor da pele já que os nervos estão abichornados lá se vai envergando à risca
um macacão organizar o material e começar a caçada. Na cabeça a intenção de
furungar os canos da casa porque lhe parece que é por ali que vaza inclusive
seu pensamento.
Enquanto se dedica a tarefa
minuciosa de abrir os escondidos começa também a pensar que a tarefa de limpeza
está afetando o seu raciocínio e assim vai pulando de cano em cano com fúria. Perceberam
os ocupantes da residência que a faxina
física afetou o pensamento lógico desobstruindo de certa forma os entraves do
nosso tempo atual deixando as reclamações, as discórdias, os desafetos e as
traições para outro momento. Agora é hora de partir com luvas em punho na
arrumação do interior dos armários, gavetas, estantes porque, no fim e ao cabo,
tudo passa. E a casa fica em ordem.
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