quarta-feira, 24 de julho de 2019

Do que preciso



Como não consigo mais arrumar a minha cabeça, seja por incompetência, preguiça ou enguiço da máquina, resolvi abrir caixas, gavetas e o mais que esteja – organizado ou nem tanto – para fuçar com calma e verificar o que é excesso e o que não é. Ando assim ultimamente e o maior perigo é que somente eu fique dentro de casa ou o contrario, eu vou e todos eles fiquem sendo esta claramente a probabilidade maior.

Enquanto isto não acontece minhas mãos voam nas entranhas do domicilio causando em mim um sentimento mórbido de arrumação. Parece-me que o simples ato de buscar o escondido me libertará do que aparece o qual não faço gosto nenhum de me deparar. Assim vou seguindo, saltitando entre papéis, livros, embrulhos de preciosidades, descobrindo objetos na fila de espera de se exporem nas prateleiras da casa.

Dou um tempo às janelas abertas e as oculto do meu olhar me concentrando no que está por vir de concreto neste quadrado. Parece cacoete de gente isso, sempre com olhar na frente na ânsia de prever o que virá e custa um pouco se acostumar com o agora. O momento instante nunca soa com a perfeição que merece e o para e anda acontece como se viver fosse apenas isso.

Vou dando cabo da tarefa e para minha surpresa não remeti para a porta da rua nada. Aos meus olhos tudo tem serventia, o que desembrulhei me trouxe lembranças que em alguns casos nem minhas eram, porém traziam ocasiões vividas de tempos remotos, com outras pessoas, outros lugares, acervo que veio parar em minhas mãos por força da redistribuição normal em família. Pensei um pouco mais sem despregar os olhos dos artefatos e achei, naquele momento que, além de acumuladora de emoções virei, da noite para o dia, acumuladora de coisas.

Não me dobrei a este instante fugidio de mea culpa porque um acervo conta histórias reais e inventadas no escuro de uma casa e eu preciso delas assim como necessito de ar, água, café e vinho. Na ordem.

3 comentários:

Nelson disse...

Sensacional. Uma realidade que bate nas portas, adentra e faz parcerias com tantos desconhecidos que até parece que tramaram mesma atuação, cuja mera vontade de renunciar ao que se acha na volta, mais aferra o acumulador do necessário a ser retido. Parabéns!

Textos de Vera Lucia Renner disse...

Ronaldo Adolfo Schuler Legal. Eu tinha um amigo que possuia um gramofone. Embora não se saiba, essas lembranças ficam guardadas, intactas, e nos sensibilizam, via indireta. Podem ser uma música, um objeto etc. Às vezes se manifestam em nossas vidas através de "atos falhos". Mas não se perdem nunca. Em épocas que estamos mais sensíveis por algum motivo, parece que nossos entes queridos (pai, mãe etc), vivem mais do que na época que eram vivos. Lembramos do que eles falavam etc. Com isso podemos fazer uma reedição de nossas vidas, através de coisas que já havíamos esquecido há muito tempo.!!!

Textos de Vera Lucia Renner disse...


Jeanete Gehlen Muito bom! Me encontrei... abraço.

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...