sábado, 19 de janeiro de 2019

Vislumbre



Andando por ai com os pés descalços para sentir as dores do caminho - as da alma já dei um jeito de liberar uma vez que não me acrescentam mais – fui conhecendo cada ponta de pedra e também os caramujos, que deixados na passagem por seus habitantes, foram recolhidos como troféus que a natureza me disponibilizou graciosamente.

Fiquei pensando para onde foram os moluscos tão interessantes ao olhar acurado de quem frequenta a beira de praia, o porquê de deixarem suas casas com tanta rapidez. Jogaram-se ao mar para não virar almoço de gourmet, isca de pescador ou de matança da fome de um e outro. Algum predador veio em sua janela lhe ameaçar, ou talvez, com tanta pisada de humano achou por bem tirar a própria vida e saiu rumo ao oceano, enlouquecido, sem sua carcaça protetora.

Curiosa e condoída, fui recolhendo um a um dispondo-os dentro de um vidro transparente me sentindo um pouco culpada por encerrar todos juntos em uma carapaça da qual agora, eles, simples adereços de colecionador não podem se rebelar. Achei que assim eu poderia ter um olhar mais profundo sobre a sua natureza e encontrar segredos que a mim fossem uteis. As formas e cores podem muito bem dar a dica de como me comportar neste mundo de hoje. Quem sabe eu aprendo a envergar vestes semelhantes e terei assim meus adversários contumazes controlados em qualquer ocasião desta vida que em todo alvorecer vem me dizer: menos um. Não lhe faço caso.

Achei interessante que suas cores beiram o monocromático certamente para que, em seu ambiente natural confundir-se propositadamente com quem não lhe tem tanto apreço e deste modo passar incólume pela inspeção e sobreviver. A sua forma diverge de cada um deles, mesmo sendo da mesma espécie. Pelo jeito as travessias não são fáceis e uma ponta não se choca com a outra permitindo então o livre transito por entre areias, beira e fundo de mar. As arestas também são pontudas em alguns extremos e amigáveis em outros.

Terminei minha caminhada com os pés sangrando porque a cada passo fui me dando conta de que a caminhada do lado de cá não é feita de arestas arredondadas, monocromia, escapes estratégicos e muito menos de design amigáveis.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...