quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Os relógios



Acabei distribuindo por ai as minhas horas, achei que as tinha guardado por tempo em demasia e carecia, no meu entender, de terem mais liberdade, de talvez, quem sabe, terem certa autonomia para se regulamentar, tomar para si a prerrogativa de decidir o que quer que seja sem consulta, sem perguntar se é o tempo, sem achar que os minutos estão ou são finitos. Enfim, joguei e assim os deixei ficar. Vamos ver ate aonde vão estas horas com vida própria agora.

De propósito ocultei alguns na areia da praia, talvez com a intenção fugidia de que aqueles ponteiros não me alcançassem, porque justamente agora que tenho tempo para tudo ele parece me escapar por entre os dedos, me deixando com aquela sensação de estar sempre atrasada. Vai ver que é verdade, às vezes acordo depois do amanhecer perdendo assim a hora em que a natureza me chama, ou, vez ou outra, me adianto no compromisso parecendo que não tenho coisa melhor para fazer e talvez, fatalmente, no dia em questão, levanto com um sentido de finitude achando por bem ficar atenta até os últimos detalhes. Ao comungar todos os dias com a natureza na borda da vida, melhor não distrair.

Achei de bom tom, nesta altura, esconder na beira mar alguns visores faltando ponteiro para que assim eu consiga apenas imaginar o tempo passando e não enxergar o que acontece de fato, deste modo o tic-tac emudece por um tempo me dando a chance de fazer caminhos alternativos, de ir e voltar na lembrança como se esta fosse uma passarela que me mostrasse a vida toda e que eu não pensasse em lágrimas o que foi feito.

Entre todos estes mostradores jogados ao léu me surpreendeu aquele que leva em si uma abertura dando vazão ao outro lado, parecendo que este quer relatar que o outro lado da vida pode estar na espreita, como um caleidoscópio, e ele, sem ponteiros e sem estrutura completa vem avisar que o tempo pode cair, do nada, em um detalhe não programado.

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