quarta-feira, 7 de setembro de 2011

150 litros de lembranças


Debrucei-me suavemente sobre aquela montanha de papel instalada sobre os meus pés a pedir socorro. Este amontoado sobrevivente amarelado e velho, encerrado em gavetas jamais abertas por um tempo demasiado, suplicavam por um destino glorioso.

Nem lembro como vieram parar ali aqueles álbuns com fotos, recortes, fitas, flores secas, bilhetinhos e cartas que se sobrepunham na minha frente formando uma trincheira. Incomodada com a visão do entulho inútil, me armei de uma tesoura e iniciei a seleção.

Pelo chão foram se espalhando em mil pedacinhos uma boa parte da minha vida, a começar quando eu nem dentes tinha, seguindo adiante em quadros repetitivos. No bafão sinistro da tarefa vou picotando fotos e mais fotos, instalando na sala uma névoa que rescindia a tempos passados. Pensando bem, eu ouvia risadas, choradeiras, música, alegria e tristeza e muita conversa. Eram os fantasmas libertos, cheios de coragem, tomando outro rumo neste dia histórico.

Me surpreendi com a velocidade por mim impressa na seleção da papelada: o que fica e o que vai para corte. O afã era resumir uma vida em apenas um álbum e o grande desafio seria guardar em gavetinhas da memória o que resolvi tirar do mundo físico. Tive o cuidado de colocar na gaveta do esquecimento todas as injúrias, as traições e a mal querência com que me acertaram. Um nicho de neurônios mortos chamado “para sempre”.

Agora, ao meu lado 150 litros de papel picado com a sina acertada.

Na minha mesa, tal qual tela touch screen, ávida e célere, vou montando a seleção da Linha da Vida.

Ficou o relevante. A vida passa rápido.

5 comentários:

Anônimo disse...

Tuas crônicas estão cada vez melhores! Abraço. Fernando Flach.

Anônimo disse...

Vera,não sei se estás escrevendo melhor ou o quê. Foi dos textos que mais gostei. Beijos. Maria Rosa

Anônimo disse...

Adorei teu texto Vera.
Vira e meche, temos que nos munir de coragem para fazer esse tipo de "faxina". Mas, além dessa, tentemos sempre reciclar nossos sentimento e tentar também, tirar de nossas gavetas internas, o que não nos fez tão bem, mas deixou marcas que queremos esquecer.
Super beijo e sucesso sempre.
Rita Freitas da Silveira

Venâncio Vilela disse...

Olá Vera! "Tropecei" por acaso em seu blogue e gostei bastante!! Vou lê-lo sempre que der! Parabéns, abraços, Vinícius Vieira

Anônimo disse...

Não sei se já disse que amo palavras . A sonoridade , o ritmo , a força dão uma beleza ao significado. Lambança é uma palavra linda e que ao se dizer ou ler se vê toda a cena : intriga, inveja , ironia ( nossa ,tudo com i ) . Mas 150 litros de lembranças é demais ! E a sabedoria da gaveta do esquecimento !
Lí, não lembro onde , que quem escreve bem ama as pessoas e suas fragilidades , daí pq as histórias e suas personagens são lindamente traçadas.
Eu tbm amo meus iguais mas não escrevo nada . Mas admiro e gosto muito de quem sabe . Como tu . Bjs. Marilda

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