Maria Da Graça acordou naquele dia lacrimejante
e com um buraco no estomago como há muito não sentia. Depois da surpresa com
seu estado, pensou melhor e se deu conta que nos últimos tempos esta sensação
lhe acompanhava sorrateiramente, no balanço do seu pensamento que também anda
vagaroso. Ela acredita piamente que daqui para frente sua cabeça vai acompanhar
a lentidão dos velhos chinelos de inverno.
De quando em quando espia por entre os ombros
porque parece que alguém anda lhe chamando em alta voz por seu nome. Assim, um
pouco premida pelo dia resolve se assentar junto a sua melhor companhia e
mergulhar no mundo real e assim talvez seja possível afastar quem anda lhe
cercando, seja do lado de cá da vida, seja do outro lado...
Vagando entre tantas informações ao checar seu
e-mail se depara com uma mensagem que a faz grudar os olhos na tela dando
looping em seus neurônios – contrariando seu estado de espirito ao amanhecer - inclusive
com o sangue parecendo se esvair do rosto, e, o coração no peito dando mostras
que resolveu trabalhar de verdade neste dia, reverberando de norte a sul do seu
corpo o bate bum.
Maria da Graça iniciou neste momento uma viagem
para frente e para trás porque tanto poderia ser alguém a quem já confiou tudo
de si, alguma ou pouca coisa ou alguém totalmente desconhecido o que traria
mais precaução fazendo com que ela, não soubesse se apagava, deletava ou
bloqueava o autor da missiva surpreendente. Surpreendente sim porque ao invés
de dizer um “Bom dia Maria da Graça, como estás, te encontrei na internet,
lembra-se de mim? Sou o Jose Paulo, te ...” Simples não? Nada, nem sombra de
uma escrita corriqueira.
Respirou fundo, alongou o olhar para o
horizonte marítimo esperando que ele lhe ajudasse a descobrir quem estava por
detrás daquelas três simples palavras. O problema não era a curta mensagem, mas
o furor sentimental que arrombava os sentimentos deixando Maria da Graça à
deriva.
Resolveu deixar de lado o assunto porque na
internet as arapucas vagam como fantasmas e ciladas a esta altura não são bem
vindas. Melhor será se dedicar um pouco à escrita o que favorece demais porque
o show da vida - por força das circunstâncias - tem que continuar. Liberou-se
de pensar no tema, mas, mesmo com todo esforço, as três palavras a perseguiam
em todos os cômodos da casa. Voltou a sentar frente ao computador, abriu o
e-mail novamente e nem bem lhe tinha colocado os olhos em cima lembrou: Jose
Paulo!
Agora a situação se agrava porque Maria da
Graça não sabia direito se poderia responder perguntando se ele era ele, pois
ele poderia se ofender ou, muito pior, não ser ele! Valentia nunca foi o forte
de Maria da Graça, gostava de andar no entremeio, preferia ouvir a falar,
gostava de acantonar-se em seu refugio escolhendo ficar quieta a retrucar,
sorrir e sair.
Porem, alguma coisa lhe dizia – pensou em seu
mal estar matutino – que as lembranças que adviriam da resposta deste mail lhe
fariam enxergar o agora com melhores olhos. Quem sabe?
A resposta foi tão mínima quanto a pergunta. “É
o Jose Paulo? Da viagem?” e o enviar selou a conversa online. Nem bem havia
passado alguns minutos e a resposta veio confirmando a suspeita. Maria da Graça
não sabe ate hoje o que foi que aconteceu com suas lembranças porque o passado
entrou de sola como um tsunami em sua cabeça, não a abandonando mais e deste
jeito facilitado pelo mundo novo, passado e presente começaram a conversar
animadamente.
Amiga das letras lá se foi nossa heroína a
colocar no papel este encontro além de enfiar-se dentro de gavetas e resgatar
tantas fotos quanto pode, não crendo que lembranças tão doces – essa era a
única palavra a ser usada – ainda pudessem ser resgatadas.
As conversas entre Jose Paulo e Maria da Graça
tomaram um ritmo não muito intenso, no início, diria que protocolares, a
respeito da vida de um e outro, afinal, 43 anos o separavam do cara a cara, mas
nos diálogos, o tempo de certo modo não estava presente. Ela, em algum lugar
ermo se comprazia com uma vida onde menos é mais e ele, igualmente, veja só.
Geograficamente se situavam em costas diferentes, sendo uma onde as águas
esfriam o ambiente e o outro estava em uma cidade onde a natureza tinha o poder
de torrar seus habitantes o que causava inveja de um que gostava do frio, e
outro, do calor.
De repente, em dia inusitado havia um telefonema
e ao ouvirem-se se davam conta que a voz, o trejeito da fala, o riso e as
ideias em nada mudaram. Após a ligação terminar Maria da Graça caia em prantos
porque ficava imaginando que talvez tenha se enganado, mas, rapidamente
enxugava os olhos dizendo para si mesma que o que foi, foi mesmo.
Anos se passaram nesta troca de mensagens até
que – novamente a tecnologia – mudou a conversa para uma comunicação instantânea
o que levou, obviamente, os sentimentos de ambos à flor da pele por mais que um
encontro era impossível. De um lado a liberdade e de outro o compromisso. A
constância dos recados levou a um contato quase diário, como de enamorados que
em todo momento pergunta como você está, o que fez, o que vai fazer, o que vai
comer, por onde andas, e mais o que a imaginação criar.
Jose Paulo, por qualquer motivo, nesta altura,
pranteava o afastamento de ambos no passado, questionava porquês à Maria da
Graça e lhe enviava sistematicamente todas as musicas – de preferencia da
cultura espanhola – que lamentavam o amor perdido e impossível com certo ar lúgubre,
intenso e lindo. Neste item Jose Paulo era exímio, possuía em sua biblioteca
musical as mais lindas musicas que faziam Maria da Graça se encantar. Assim
transcorriam os dias, iluminados por mensagens de carinho e sonorizadas com as
melhores letras deixando a rotina de ambos preenchida – por um lado – com a
esperança de um reencontro – e por outro com certa retranca ao assunto o que de
qualquer maneira os deixava animados no antagonismo de opiniões celebrando – e
aproveitando – este encontro virtual.
De repente, as mensagens pararam e Maria da
Graça - que se mantinha na distância e discreta - não realizou nenhum contato, mesmo
intrigada. Passado um tempo bem longo ela timidamente se conectou nas mensagens
rápidas e no mail enviou um link de suas crônicas e não recebeu nenhuma
resposta iniciando agora um processo de desconstrução da ilusão. Mais um tempo
se passou e a ligação para o telefone fixo que havia em sua agenda foi
realizada e nada. Restava uma ultima opção. Desta vez a ligação se completou e
a resposta foi avassaladora.