domingo, 23 de fevereiro de 2025

A ligação - O conto

 


Maria Da Graça acordou naquele dia lacrimejante e com um buraco no estomago como há muito não sentia. Depois da surpresa com seu estado, pensou melhor e se deu conta que nos últimos tempos esta sensação lhe acompanhava sorrateiramente, no balanço do seu pensamento que também anda vagaroso. Ela acredita piamente que daqui para frente sua cabeça vai acompanhar a lentidão dos velhos chinelos de inverno.

De quando em quando espia por entre os ombros porque parece que alguém anda lhe chamando em alta voz por seu nome. Assim, um pouco premida pelo dia resolve se assentar junto a sua melhor companhia e mergulhar no mundo real e assim talvez seja possível afastar quem anda lhe cercando, seja do lado de cá da vida, seja do outro lado...

Vagando entre tantas informações ao checar seu e-mail se depara com uma mensagem que a faz grudar os olhos na tela dando looping em seus neurônios – contrariando seu estado de espirito ao amanhecer - inclusive com o sangue parecendo se esvair do rosto, e, o coração no peito dando mostras que resolveu trabalhar de verdade neste dia, reverberando de norte a sul do seu corpo o bate bum.

Maria da Graça iniciou neste momento uma viagem para frente e para trás porque tanto poderia ser alguém a quem já confiou tudo de si, alguma ou pouca coisa ou alguém totalmente desconhecido o que traria mais precaução fazendo com que ela, não soubesse se apagava, deletava ou bloqueava o autor da missiva surpreendente. Surpreendente sim porque ao invés de dizer um “Bom dia Maria da Graça, como estás, te encontrei na internet, lembra-se de mim? Sou o Jose Paulo, te ...” Simples não? Nada, nem sombra de uma escrita corriqueira.

Respirou fundo, alongou o olhar para o horizonte marítimo esperando que ele lhe ajudasse a descobrir quem estava por detrás daquelas três simples palavras. O problema não era a curta mensagem, mas o furor sentimental que arrombava os sentimentos deixando Maria da Graça à deriva.

Resolveu deixar de lado o assunto porque na internet as arapucas vagam como fantasmas e ciladas a esta altura não são bem vindas. Melhor será se dedicar um pouco à escrita o que favorece demais porque o show da vida - por força das circunstâncias - tem que continuar. Liberou-se de pensar no tema, mas, mesmo com todo esforço, as três palavras a perseguiam em todos os cômodos da casa. Voltou a sentar frente ao computador, abriu o e-mail novamente e nem bem lhe tinha colocado os olhos em cima lembrou: Jose Paulo!

Agora a situação se agrava porque Maria da Graça não sabia direito se poderia responder perguntando se ele era ele, pois ele poderia se ofender ou, muito pior, não ser ele! Valentia nunca foi o forte de Maria da Graça, gostava de andar no entremeio, preferia ouvir a falar, gostava de acantonar-se em seu refugio escolhendo ficar quieta a retrucar, sorrir e sair.

Porem, alguma coisa lhe dizia – pensou em seu mal estar matutino – que as lembranças que adviriam da resposta deste mail lhe fariam enxergar o agora com melhores olhos. Quem sabe?

A resposta foi tão mínima quanto a pergunta. “É o Jose Paulo? Da viagem?” e o enviar selou a conversa online. Nem bem havia passado alguns minutos e a resposta veio confirmando a suspeita. Maria da Graça não sabe ate hoje o que foi que aconteceu com suas lembranças porque o passado entrou de sola como um tsunami em sua cabeça, não a abandonando mais e deste jeito facilitado pelo mundo novo, passado e presente começaram a conversar animadamente.

Amiga das letras lá se foi nossa heroína a colocar no papel este encontro além de enfiar-se dentro de gavetas e resgatar tantas fotos quanto pode, não crendo que lembranças tão doces – essa era a única palavra a ser usada – ainda pudessem ser resgatadas.

As conversas entre Jose Paulo e Maria da Graça tomaram um ritmo não muito intenso, no início, diria que protocolares, a respeito da vida de um e outro, afinal, 43 anos o separavam do cara a cara, mas nos diálogos, o tempo de certo modo não estava presente. Ela, em algum lugar ermo se comprazia com uma vida onde menos é mais e ele, igualmente, veja só. Geograficamente se situavam em costas diferentes, sendo uma onde as águas esfriam o ambiente e o outro estava em uma cidade onde a natureza tinha o poder de torrar seus habitantes o que causava inveja de um que gostava do frio, e outro, do calor.

De repente, em dia inusitado havia um telefonema e ao ouvirem-se se davam conta que a voz, o trejeito da fala, o riso e as ideias em nada mudaram. Após a ligação terminar Maria da Graça caia em prantos porque ficava imaginando que talvez tenha se enganado, mas, rapidamente enxugava os olhos dizendo para si mesma que o que foi, foi mesmo.

Anos se passaram nesta troca de mensagens até que – novamente a tecnologia – mudou a conversa para uma comunicação instantânea o que levou, obviamente, os sentimentos de ambos à flor da pele por mais que um encontro era impossível. De um lado a liberdade e de outro o compromisso. A constância dos recados levou a um contato quase diário, como de enamorados que em todo momento pergunta como você está, o que fez, o que vai fazer, o que vai comer, por onde andas, e mais o que a imaginação criar.

Jose Paulo, por qualquer motivo, nesta altura, pranteava o afastamento de ambos no passado, questionava porquês à Maria da Graça e lhe enviava sistematicamente todas as musicas – de preferencia da cultura espanhola – que lamentavam o amor perdido e impossível com certo ar lúgubre, intenso e lindo. Neste item Jose Paulo era exímio, possuía em sua biblioteca musical as mais lindas musicas que faziam Maria da Graça se encantar. Assim transcorriam os dias, iluminados por mensagens de carinho e sonorizadas com as melhores letras deixando a rotina de ambos preenchida – por um lado – com a esperança de um reencontro – e por outro com certa retranca ao assunto o que de qualquer maneira os deixava animados no antagonismo de opiniões celebrando – e aproveitando – este encontro virtual.

De repente, as mensagens pararam e Maria da Graça - que se mantinha na distância e discreta - não realizou nenhum contato, mesmo intrigada. Passado um tempo bem longo ela timidamente se conectou nas mensagens rápidas e no mail enviou um link de suas crônicas e não recebeu nenhuma resposta iniciando agora um processo de desconstrução da ilusão. Mais um tempo se passou e a ligação para o telefone fixo que havia em sua agenda foi realizada e nada. Restava uma ultima opção. Desta vez a ligação se completou e a resposta foi avassaladora.

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