quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Um tributo

  

Encontrei aqui uma caixa pequena, bem antiga e ao abri-la me surpreendi com seu conteúdo com lenços de delicada confecção, debruns rendados em tecidos delicados muito bem assentados rescendendo a uma fragrância com um misto de sândalo e patchouli o que suscitou em mim lembranças remotas, talvez da infância, da companhia de minhas avós - quiçá minha mãe - que utilizavam lenços delicados colocados com sabedoria junto ao corpo para atender qualquer eventualidade de um cisco no olho, uma lágrima furtiva ao se deparar com uma lembrança triste ou o dia simplesmente não surgiu com bom humor. 

Fiquei imaginando que em outros tempos as lágrimas eram mais secretas e da mesma forma os sentimentos estavam guardados em um espaço tão profundo da alma que parecia ser impossível tirá-los de lá para enfrenta-los com um olhar em perspectiva, com uma distância interessante de análise de todos os ângulos e parcimoniosa paciência uma vez que sentimentos, sofrimentos, decepções e dores – inclusive físicas – não tinham a anuência para se manifestar e estes lenços se tornaram aliados dos humores da vida que eventualmente escureciam o olhar das nobres mulheres. 

Tomei a decisão de voltar no tempo e fazer a minha própria caixa de lenços que não terá o feitio dos antigos, mas posso imaginar que os terei em linho fino em cores as mais diversas e todos dotados com fragrâncias delicadas e instigantes para me fazer lembrar que naquele exato dia minhas lágrimas serão absorvidas pelo pequeno pedaço de pano criado para abençoá-las. 

Em outro dia o pranto pode vir de motivo difuso, concreto ou fantasioso no breve momento em que saiu da minha mira a realidade do dia a dia se esfumaçando no horizonte e me deixando a ver navios. Imagino que as cores irão determinar para onde minha vista irá aportar para buscar o conforto no momento de me desfazer em lamúrias. Não as furtivas de antanho, mas as mais legítimas que tenham permissão de rolar com abundância pela face. Na sequencia deste arsenal do pranto eu colocaria, com muito cuidado e capricho, os tons da alegria para que o contraponto do contentamento se equilibre com a agonia.

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