Aconteceu que naquela manhã, justo naquela, o
dia estava iluminado e de tão ensolarado carecia de apertar a vista para
enxergar tudo o que se apresentava desde coisas minúsculas e sem importância maior
no comum dos dias até as mais relevantes como, é claro, a vista imutável para o
mar. Imutável que se diga, porque ela não muda no enquadrado da janela, quem se
solta para outras veredas é sempre o oceano. Mas enfim, tudo estava encaixado
na grande angular do dia e assim o que era bacana e também o que era mal visto
apareceu ali, naquela lente deste dia claro.
Mas o destino – sempre ele – naquela ocasião
estava de maus humores e o dito cujo na mira não conseguiu enxergar o que o
nascer do dia apresentava. Na normalidade abrimos os olhos e vamos andando em
frente desviando dos obstáculos que nos aparecem com destreza, esperteza e
visão boa. Mas não foi bem assim. Não foi.
A escuridão se instalou sobranceira nos olhos
de quem sempre enxergou, quem sempre teve uma boa pontaria, para quem apertar e
arregalar o olho era a tarefa mais simples do mundo. A vida com determinado
senso surripiou este poder e assim sumiu a capacidade de verificar em que plano
se movimentariam seus pés, porque a visão é quem os conduz e foi assim que a
escuridão passou a ser seu guia e com ela ele deveria se haver.
Privado de luz que garantisse imagens normais
na rotina, foi de certo modo sem querer, que o olhar voltou-se para dentro, e
assim a viagem começou na sua mente como se voltasse ao passado, ou como se
tivesse uma noite com tantos sonhos que de repente tudo parecia real. A viagem
nas lembranças recentes e outras nem tanto distraíram o destino imposto e assim
foi se acomodando a retrospectiva para que, em primeiro lugar, não se perdesse
a esperança de a luz voltar. Quanto mais o filme da memória rebobinava, mais
interessante ficava o caminho. Com tantos enigmas e imagens a lhe fazer
companhia ficou fácil prever o que estaria acontecendo ao redor e deste jeito
foi se alinhando o que parecia agora lhe pertencer: a imaginação. A surpresa
fica por conta da vida. Ela tira, mas eventualmente pode remediar ou devolver.
Desta feita a luz se fez. Aleluia.