domingo, 31 de dezembro de 2017

A dança do final de ano


O final do ano sempre chega cheio de expectativas, repleto de sorrisos e de boas intenções, deixando de lado tudo o que de ruim houve no ano anterior. O acordar na véspera já parece ser um sintoma de boas novas, de que tudo vai ser diferente, os olhares se enviesam para o destino escolhido mesmo que esse seja o trabalho, pois adquire novas cores e emoções.

Se o vivente tiver a sorte de escolher sua sina, ótimo, mas se ele já vem cravado como tarefa a ser executada é certo que por ali irão também fartar alternativas para festejos. É hora de sorrir, dizem alguns, e assim todos os com ou sem dentes abrem-se em sorriso sem nem bem saber por quê.

Parece mesmo que o ar, o clima, a aragem, o vento morno, o sol menos denso, se reúnem para facilitar a ilusão de ano novo que vem chegando sem ninguém solicitar, que atropela quem ainda tinha algumas contas a saldar do ano anterior e que frente ao “rush” da vida joga para frente de supetão as alternativas que recém foram pensadas.

E é deste jeito bem afoito que se arrumam as regras para o que vier, sem nem mesmo reparar se no traseiro do destino existe algo ou alguma coisa para dar uma carona. O novo ano vem aí– dizem todos – como se fosse uma repetição, um mantra, uma prece que desviasse a atenção para o agora, para o momento que antecede todas as previsões. Essa ode ao que virá retira maldosamente de todos nós a tentativa de viabilizar uma simetria entre pensamentos, amores, perdas, família, amigos e renovação.

Mas melhor pensar no coletivo que anda dando as regras por aqui, e então arrumem-se os fogos, as taças, as bebidas, os quitutes, as fantasias, os brilhos e os laços porque com júbilo ou sem ele o ano vira, e, com certeza é esta fé que movimenta os astros e que fazem a dança das estrelas na hora da virada. Tudo será diferente mesmo que tudo fique como está.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Retratos da vida diária


Da minha janela vejo o mundo, não o mundo todo, mas grande parte dele, talvez o meu super exclusivo porque tenho bons olhos para enxergar longe, filtrar o que me instiga e desprezo, trazer para bem perto, com lupa, a natureza, porque ao fim e ao cabo é ela quem nos sustenta, queiramos acreditar ou não.

Nossos olhos vão se estendendo a cada dia mais porque a promessa é de sol forte, ventos menos violentos e chuvas raras. Esta mescla prenuncia certa agitação que faz com que nossas ruas e calçadas um pouco invadidas pelas urtigas se livrem das mesmas e deixem passar toda a sorte de terráqueos, pendurados em suas traquitanas, sem critério se o possante é novo ou velho, se range seus parafusos estalando de novos ou se crepitam porque estão com toda a sua garantia vencida.

Minha abertura é sempre solidária comigo porque parece que somos uma em duas, pois é sempre ela que me dá a luz do dia, que me proporciona o primeiro sorriso e também o último suspiro antes da noite dar as caras, antes de cobrir com seu manto negro todas as atividades, antes de chegar causando com o silêncio que é de praxe e de se deitar despudorada com o mar no horizonte.

Somos assim, eu e ela, apenas um recorte do mundo que permite a expansão do olhar para qualquer lado, visando a mudança sutil que sempre está celebrando alguma coisa mais escondida, mais sagaz, não se mostrando inteira, mas com toda a intenção de provocar. Nosso dia a dia explora outras dimensões com o intuito de esclarecer o que esta por trás de nós mesmas.

Começamos então uma conversa necessária para entender o passa passa de agora onde tantas fantasias desfilam aos nossos olhos. A paisagem, em seu recorte diário recebe coadjuvantes, dando à rua uma vida efêmera, fornecendo assim todo o tipo de confabulação, situando um estado provisório onde as conversas giram em torno do absurdo. No ar, sons estranhos vão se confundindo com a personalidade do caminho que acolhe mesmo assim o distúrbio, talvez, apenas, para se divertir e proporcionar para si e para mim elementos para configurar novos retratos da vida.

domingo, 24 de dezembro de 2017

Natal


Agita-se o dia, os ventos se redirecionam, o sol se expande, as areias se acomodam e as pessoas vão se dando conta que a hora é chegada, que as comemorações vão acontecer independentemente de sua vontade ou fé. O nascimento de Cristo, uma festa mundial, une quem acredita em uma força maior que dá aquele alento nas horas do aperto, que favorece que tenhamos um olhar para o céu pedindo clemência e assim, está sempre aberto e disposto a oferecer alternativas para nosso sofrimento.

É neste período que os corações parecem crescer de tamanho revestindo-se de boas intenções mesmo que o ano não tenha sido aquilo tudo, mesmo que a parentalha nem sempre deu as caras, que o período foi mais para lá do que para cá, a saúde não está firme e forte, os cabelos branquearam, alguns vivos se foram, os amigos bandearam de lado e a força de outrora arrefeceu.

Quando as festas chegam, não tem para ninguém, o carmim está reinando, o som natalino preenche todos os ouvidos e tudo se prepara para comemorar. As ruas do litoral recebem carinho extra e é um tal de pinta calçada, arruma passeio público, enfeita com muitas luzes as avenidas e também o comércio vai deixando em cada ponto sua marca.

O olhar ameniza para quem esteve perto dos olhos e longe do coração e então, a calma que agora se sobrepõe aos ares praianos vai curando feridas novas e antigas, refazendo o caminho do amor, da esperança e da convivência pacífica.

As residências acompanham o ritmo alucinante que reveste a cidade e trata de se enfeitar, de chamar suas crianças para perto, buscar seus velhos, reunir os irmãos, os filhos dos filhos, os tios, as tias e os amigos de agora e de ontem para um minuto de oração e de benção para esta vida que anda mais rápido do que podemos acompanhar.

Finalmente, a criança de agora e a que habita nossa alma para sempre se coloca de sobreaviso, em qualquer pé de arvore, para receber o Papai Noel. Todas estamos com o bilhetinho na mão, algumas com ótimas referências, outras com alguma falha aqui e ali mas todas agradecendo e prometendo  tempos melhores no ano que vem.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Tudo é...ou...


Andarilhei estonteada por todo canto, conversei com meio mundo, senti todas as dores como se minhas fossem, observei a loucura de uns e outros e me identifiquei com todas, perscrutei todos os olhares que se derrubavam sobre minha figura sem escrúpulos e mesmo assim eu devolvia a inquisição, sem nenhuma vergonha de tentar uma conversa, de quem sabe conseguir a informação que não vinha de lado nenhum. No lugar em que me encontrava o vago era a única simetria que avançava.

De pronto havia ali uma celeuma onde se encontravam em conversas todas as estórias de vida quase conjugando um verbo mais que perfeito, com todas as vírgulas no lugar certo, mas o ponto final não encerrava absolutamente nada, apenas dava uma deixa para o recomeço, como se fosse um soluço ou uma pausa pedindo misericórdia a quem quer que por ali estivesse.

Continuei minha caminhada, mas, desta feita, fazendo de minha mente meu guia, deixando para trás as mazelas reais que encontrei e que – confesso – deixaram as minhas no rés do chão, no fim da várzea ou quem sabe as decujas viraram pó, de tanta vergonha ao vislumbrar o que não nos acontece pela frente.

Neste andar fui desvestindo as fantasias que nos últimos tempos andaram tentando se acomodar no meu guarda-roupa, como aquela veste inusitada de palhaço, que pretensamente pensaram que eu era, aquele abraço que resultou em um entorse da coluna, aquele episódio incompreensível que detonou uma amizade de anos, a ausência de ajuda de próximos, um vodu  na brotação da minha folhagem preferida que acabou secando e ficando para lá de marraquesh.

Vou por ali tentando entender o que anda caminhando ao meu encalço, mas sei que é em vão o meu intento, porque dá uma pinta de que está sendo construído um ladrilho novo para que eu de fato possa enxergar o que tudo é, e não o que parece ser.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A casa de praia


Fazia certo tempo que eu me esforçava para lembrar o lugar de praia com todas as suas características e peculiaridades. Tentava visualizar os detalhes daquela casa que se abria de porta em porta quando o sol vinha dar sua cara quente a tapa, chegando com tudo e um pouco mais para fazer furor em todos os detalhes de uma rotina. Mesmo fazendo um esforço para enxergar o lugar percebi que o dia a dia rotineiro se internalizava de tal modo que não dava para sentir a existência de outro lado. Corri para resgatar a memória.

Já na rua também aquietada do litoral, fui chegando devagarinho, espantando algumas garças perdidas no vão da avenida, os cachorros de rua de rabo abaixado fuçando nada por ali, as lixeiras vazias das farras de verão, os ferrolhos calcinados pelo sol engrossavam a ação protetora de quem saiu sem olhar para trás. Ao percorrer a quadra fui percebendo que a calmaria instalada pelas estações deixaram suas marcas, com a rua com uma grama crescendo, a beira do mar com um espirito mais estranho, parecendo também circunspecto se adequando ao todo da paisagem que cerca a residência.

Nas casas de praia é assim, elas quase não superam estarem cerradas por um longo período porque foram erguidas com destino certo, estão construídas com primor em cada detalhe para que em seus recantos sopre o melhor vento e na velocidade almejada, que entre o sol abundante por todas as frestas e que as chuvas tenham ao chegar seus caminhos de volta conforme previsto. Tanto esmero e tanta diversificação para seu propósito somente combinam com a companhia das famílias barulhentas.

Larguei no chão tudo o que eu trazia da cidade incluindo e, em primeira instância, minha bolsa abarrotada de aparelhos de conexão que nesta casa não faziam sentido. Tirei dos ombros o pesado casaco, joguei longe as botinas e corri descalça por entre os cômodos. Varei com os olhos a tristeza que os ambientes revelavam e então percebi que para deixar em minha memória para sempre este mágico lugar de encontros de familiares e amigos, seria necessário que eu mesma, carinhosamente, fosse revelando ao tempo todas as suas conexões com a natureza.

Portas e janelas se abriram de par em par e assim a brisa fresca varreu com muito carinho o pó de praia que repousava nos ambientes e agora brilhavam ao sol, percebendo que era chegada a hora de sair de cena. As cortinas enfunaram como velas trazendo um sopro de vida para a casa, o sol invadiu com força a ambientação em um jogo de sombras encantador. Passei a mão em outra sacola, esta preparada para o que iria acontecer já de chegada. Enverguei todos os acessórios e rumei ao mar que já me aguardava com outra cara..... Nunca mais vou esquecer que sou duas. 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O vazio em busca


Finalmente está tudo aparentemente vazio, limpo, sem cor, existindo apenas um sopro de energia que se apresenta tão sutil que fica difícil tentar arrumar o novo. Nesta plataforma imensa que se configura como um lugar perdido no tempo, que de repente existe apenas em si, seus cantos estão enquadrados na arquitetura do nada, o assoalho não demonstra gastura, as paredes se jogam para o alto como se quisessem romper a linha invisível que o tempo traçou sem ameaças, sem sofrimento na procura, quase parando com certa estratégia, para que tudo apontasse para outro destino.

Pouco a pouco as ideias foram se acomodando, mas sem esclarecer de fato seu propósito, com apenas o sinal de um olhar que se esvanece como pó proporcionando à mente encontrar o que parece se esconder, ou talvez ficar de frente com a magia do esfumaçar-se de improviso.

A busca inglória nas passadas também não deixou rastro, evidenciando que neste viés existe apenas o pano de fundo que talvez esteja escondendo o investigado. A verdade é que tudo se ocultou para que houvesse a chance de novo desígnio, uma perspectiva asseada, desocupando a alma que, agora em sua solidão, se enche de duvidas e medo.

E foi assim, com este caminho de aparência inovadora e perspicaz que se instalaram os modos mais assertivos. O desfile iniciou com o olhar sempre estendido e em conluio com a paisagem, os ouvidos, laceados de tanto ouvir o que não faz falta agora estreita a sonoridade fazendo eco com os novos sons, o sorriso, outrora atravessado, segue na baila dos lábios por pura sabedoria, os braços, antes sempre em defesa, se posicionam no abraço, as pernas se aligeiram para os encontros, os cabelos se jogam no ar em serventia ao vento, os pés aprisionados estão sempre enredados na espuma e as mãos, livres e ágeis no relato.


Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...