Fazia certo tempo que eu me esforçava para lembrar
o lugar de praia com todas as suas características e peculiaridades. Tentava
visualizar os detalhes daquela casa que se abria de porta em porta quando o sol
vinha dar sua cara quente a tapa, chegando com tudo e um pouco mais para fazer
furor em todos os detalhes de uma rotina. Mesmo fazendo um esforço para
enxergar o lugar percebi que o dia a dia rotineiro se internalizava de tal modo
que não dava para sentir a existência de outro lado. Corri para resgatar a
memória.
Já na rua também aquietada do litoral, fui
chegando devagarinho, espantando algumas garças perdidas no vão da avenida, os
cachorros de rua de rabo abaixado fuçando nada por ali, as lixeiras vazias das
farras de verão, os ferrolhos calcinados pelo sol engrossavam a ação protetora
de quem saiu sem olhar para trás. Ao percorrer a quadra fui percebendo que a
calmaria instalada pelas estações deixaram suas marcas, com a rua com uma grama
crescendo, a beira do mar com um espirito mais estranho, parecendo também
circunspecto se adequando ao todo da paisagem que cerca a residência.
Nas casas de praia é assim, elas quase não
superam estarem cerradas por um longo período porque foram erguidas com destino
certo, estão construídas com primor em cada detalhe para que em seus recantos
sopre o melhor vento e na velocidade almejada, que entre o sol abundante por
todas as frestas e que as chuvas tenham ao chegar seus caminhos de volta
conforme previsto. Tanto esmero e tanta diversificação para seu propósito
somente combinam com a companhia das famílias barulhentas.
Larguei no chão tudo o que eu trazia da
cidade incluindo e, em primeira instância, minha bolsa abarrotada de aparelhos
de conexão que nesta casa não faziam sentido. Tirei dos ombros o pesado casaco,
joguei longe as botinas e corri descalça por entre os cômodos. Varei com os
olhos a tristeza que os ambientes revelavam e então percebi que para deixar em
minha memória para sempre este mágico lugar de encontros de familiares e amigos,
seria necessário que eu mesma, carinhosamente, fosse revelando ao tempo todas
as suas conexões com a natureza.
Portas e janelas se abriram de par em par e
assim a brisa fresca varreu com muito carinho o pó de praia que repousava nos
ambientes e agora brilhavam ao sol, percebendo que era chegada a hora de sair
de cena. As cortinas enfunaram como velas trazendo um sopro de vida para a
casa, o sol invadiu com força a ambientação em um jogo de sombras encantador.
Passei a mão em outra sacola, esta preparada para o que iria acontecer já de
chegada. Enverguei todos os acessórios e rumei ao mar que já me aguardava com
outra cara..... Nunca mais vou esquecer que sou duas.
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