O andar é silencioso como se pisasse em ovos,
como se quisesse levitar para não destruir a grama recém-bafejada pela maresia,
como se assim pudesse não algaraviar a passarada que quase não dorme por aqui
porque sempre tem algum trinado ecoando entre as sombras. Há sempre um ninho
onde menos se espera, um refúgio para quem ficou sem o seu galho
preferido e de certa forma chama os seus pares num grito pungente de ajuda.
Parece sempre que é um silencio barulhento este, da natureza.
Os caminhos tem igual personalidade, ora
sendo cuidados, ora escondidos nos cômoros, nos arredores das vilas que se
insinuam por entre as quadras mais longínquas, as trilhas dos pescadores que
para terem acesso ao mar marcam com suas chinelas o caminho deles, quase invisível.
E então tudo fica de certo modo escondido, aparecendo todos estes milagres
apenas para quem tem a vista fina, o apuro da mente conjuminada com o detalhe
que prolifera neste ermo.
O sol também segue amainado e um pouco
escondido entre nuvens parecendo não querer aparecer de todo. Quem sabe ele – e
todas as outras características - tem certo receio de antecipar a temporada do
tudo ou nada, os dias em que todas as praias sentem na carne que sua alma foi
vendida, que seu espirito vai ser por algum tempo modificado, que as conversas
de todos os dias se modificarão tanto que as cidadelas, os municípios e os
distritos de uma hora para outra se tornam adultos e assim tem que lidar com a
maioridade que de fato nem quer ser conquistada.
Mas o rei da indignação é mesmo o vento que
anda encafifado com tudo e não para de soprar, sobejando para os cômoros que
agora nem tem mais pouso certo porque em alguns lugares se movimentam por cima
das calçadas, das ruas e dos jardins adjacentes à beira do mar. Ele é assim,
contumaz em sua missão e me parece que agora encanzinou em soprar sempre, dia e
noite, deixando nossos ouvidos moucos para o restante, nossas janelas parecem
não ter serventia porque o bate bumbo é constante. E eu aqui faço de conta que
não me importo porque, quem sabe, ele consiga atrasar a invasão que tira todo
mundo do eixo mesmo sem seu sopro.