Encilhei a oportunidade que cavei, a duras
penas, para mudar com o pouco que havia restado das tantas besteiras
acumuladas, materiais e espirituais sendo que esta última parece ter adquirido
vida própria ao longo dos anos, agindo como uma sarna crônica não desgrudando
de mim em tempo algum, demonstrando uma personalidade altiva que nem a
sabedoria de fundo de quintal, a pseudo inteligência amorosa, a intuição afiada
e a ingênua certeza de tudo não dão cabo da dita cuja. Mesmo assim, parti,
levando mais dentro da alma do que no lombo.
O peso da bagagem real mal dava para lacear
os braços e pernas e assim este tipo de bota fora – cangalhas - seguiu com a
leveza que se deve ter quando se decide deixar as raízes do lado de fora do
curso normal da vida, que o passado representado pelos objetos acumulados foi
tão perguntados sobre sua serventia que poucos se mantiveram arrolados para
seguir junto. E assim se fez a transição sem resfolego demasiado, sem apego ao
inútil, sem que nenhuma dor de retirante pudesse soçobrar diante deste entulho
escolhido a dedo.
O processo de organizar tudo em seus devidos
lugares igualmente não sofreu alteração frente ao planejado porque, exíguo o
espaço e diminuídos os pertences a arrumação se ajeitou por si só. Ao
transplantar raízes há que se encontrar um melhor sítio, escolher a melhor
terra e adubos e com muito jeito acomodar o que pertencia a outras paragens ao
novo. Assim se cumpriu o ritual de cada coisa em seu devido lugar e para coroar
a escolha, lugar certo para tudo. Deste modo a casa vicejou em todos os seus
cantos com a nova vida que havia sido concedida.
Chegou a hora de organizar o estado de
espírito que, infelizmente, não consente que a consciência lhe meta a mão,
mesmo que tudo se confunda um pouco sem saber direito o que se deve colocar
como uma reserva especial, ou se seria de bom tom se livrar logo para não ter
aborrecimentos, ou, ainda perpetuar algo com o ferrolho da boa vontade. Na
faina de lavrar o restante ficou perceptível um rastro picotado de pessoas, acontecimentos,
lugares, eventos que não encontraram paradeiro dando a impressão que tudo ficou
perdido nas beiradas do sempre.
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