A chuva é assim, cheia de segredos e manias, às
vezes varrendo o chão com fúria porque considera demais a pressão. Não aparece
quando o homem faz rezas visando o plantio ou porque o gramado tem que ficar
verde ou porque a fotossíntese não acontece sem a dupla fagueira, sol e chuva.
A água que cai dos céus tem muita serventia, mas nem todas estão disponíveis sempre.
Nem bem abrimos os olhos corremos para as
janelas para verificar como será o dia, se vai precisar guarda-chuva,
casaco, galochas ou se um abrigo bem leve vai dar conta do recado. “Será que
vai chover?” deixou de ser aquela abordagem ridícula de um paquera que não sabe
o que falar para se aproximar e deste jeito engraçado a frase vai saltando de
todas as bocas do mundo, incontinenti, ao passar por qualquer um e se alinhando
ao cotidiano. E quando ela teima em ficar, só de birra ou porque o clima mandou,
a pergunta se inverte: será que a chuva vai parar?
Quando a torrente resolve desaguar sobre a
região de certo jeito impermeável a ela, o peito vai se apertando e o
pensamento acaba migrando para todos aqueles que não têm força para deter a
natureza indômita. Vivemos na selva de pedra que foi construída com descaso em
relação aos drenos naturais, mas o coletivo faz ouvidos moucos e a
permeabilidade do terreno vai sendo invadida a par e passo, com bueiros
entupidos, muros inacreditáveis erguidos em beiradas, e assim o urbano vai
aprontando das suas.
O personagem airado vai tomando conta dos
dias por sua falta ou por sua permanência, não havendo jeito de sair de cena. Neste
paraíso litorâneo, porém, ando sempre prevenida em relação a ele porque a
qualquer momento pode arrefecer seu humor, o sol aparece, as nuvens iniciam a
dança da evasão para o horizonte, as poças d’água da chuva vão espelhando o céu
que resolve abrir-se, o mar se acalma e reflexos fazem todo o sentido. Em mim,
a fantasia de não ser uma só.
2 comentários:
gostei. li outras cronicas também. A gente sempre tem a aprender
gostei. vou ler as outras
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