quarta-feira, 30 de julho de 2014

Sorrindo

Dia morno na caminhada lomba acima espanando o mofo, a injúria enrustida e certa indolência com tudo. Mas toda subida tem sua descida e sempre em grande estilo porque descer é mais rápido, mais perigoso e muito, mas muito mais arriscado. Então, acelerei na baixada sem querer, mas fui parada pela prepotência uníssona dos rostos que me transpassavam arreganhando uma boca e um semblante desproporcional ao meu interior, confesso, sorumbático.

Eu queria ficar ali, de cabeça baixa lambendo o chão, mas como sempre acontece nestes casos, o entorno suga teu intento, a luz forte e quente te avisa que não será esta a hora de se agachar ou de se enterrar um pouquinho só e muito menos usufruir um tiquinho de solidão necessária para renascer mais adiante. Não, neste dia luminoso eles vem te alevantar pelos chifres e te fazer encarar o que vem pela frente.

Forçada, comecei a observar os rostos de quem passava por mim e presenciei exatamente o que eu queria viver ali, nas ruas, mas ao contrário. Todos os rostos desviados tinham um singular esgar na boca que eu entendi como um leve sorriso – que não eram a mim dirigidos - como se aquela pessoa estivesse pensando em algo bom, interessante ou engraçado.

Todas elas com esta atitude tinham um smarthphone na mão e caminhavam por cima de tudo e de todos, com a visão acima da linha do horizonte e tão etéreas que poderia afirmar estarem somente na imaginação.

Dali para frente me ficou impossível não pensar que é uma ingratidão para passantes de ruas imensas negarem o cruzamento do olho no olho, trocar um sorriso, recusar um flerte imperioso com alguém interessante ou subtrair a tentação de espontaneamente cumprimentar um desconhecido simplesmente. Não é mais possível encontrar a incógnita tão estimulante, não se faz leitura de quem passa na rua e não se encontram mais as almas se cruzando no universo.

O olho e o espírito focado no que vem de fora, criado e manipulado para as massas tornaram os indivíduos espantalhos do dia que riem sozinhos por aí, sem presenciar o calor da oferta dos amores reais que agora são fantasmas perambulando solitários pelas ruas.

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