Eles vieram a mim bem
juntinhos, como eu queria, se parecendo muito fisicamente e desde sempre um
completava o outro. O mais velho já parecia intuir a fragilidade da vida, dos
caminhos já prescritos e por esse motivo se adiantou muito ao caminhar, ao
falar corretamente e eu agora tenho certeza que ele já sabia que não podia
perder tempo em tropeçar nas letras e saiu articulando suas histórias ainda bem
pequeno.
O olhar era surpreendente
com uma cor azul tão intensa e profunda que me deixava inquieta me fazendo
tomar uma distância daquele olhar que – hoje eu sei – parecia estar sempre se
despedindo ou talvez pedindo perdão pelo que seria nosso futuro tão curto
juntos.
Era criança apressada, tinha
insônia, vagava pela casa a noite, via televisão que naquela época era preto e
branco, via novelas e as entendia se apaixonava na pré-escola como se adulto
fosse fazendo a corte como antigamente, ofertando uma rosa, fazendo uma
declaração e querendo sempre ter a companhia da menina objeto de sua paixão. Ninguém
entendia, mas ele sim.
Entrava sempre na casa dos
avós com sorriso e um “Oi Vó” e bem resoluto já ia se chegando aos brinquedos,
sempre com o irmão a tiracolo. Hora montando lego, fazendo cidades com os
“toquinhos” que eram de minha infância, rolando no chão com o meu pai que
virava um cavalinho, um gato ou um cachorro, o que fosse que aqueles dois
meninos inventassem.
Com o irmão menor se colocou
como intérprete e traduzia todas as suas palavras, interpretava o muxoxo de
desagrado assim como suas lágrimas, me alertando o que se passava na alma do
irmão. Até o olhar do pequeno era revelado em palavras me fazendo correr para
consertar meu desaviso ou acudir na sua mágoa ou necessidade. Tantas e tantas
vezes me voltei ao pequeno para perguntar algo mas a resposta veio do irmão
mais velho com o olhar complacente e
sorriso cúmplice do menor.
E chegou o dia em que ele
partiu afoito e sem aviso, deixando um vácuo em nossas almas que até hoje
persiste apesar do empenho em celebrar a convivência de um anjo em nossas
vidas, mesmo que por tão pouco tempo. Daniel era o nome dele.