domingo, 17 de janeiro de 2010

Cartas para minha neta


Desde bem pequena eu tinha meu canto de estudos, de leitura e de escuta.

Ouvia os sons da casa, variados em lamentos e ordens, em tic-tac de tesouras podando sei lá o quê no jardim e mais a algazarra da natureza. Dava para sentir os "bichos cabeludos" ondularem pela grama quando era época de se aventurarem por ali. Coitados, seifados em seguida pelas mãos exímias de nosso jardineiro.

Também havia a música doce da voz da minha avó me chamando para café da tarde. De frente para minha janela de delírios, ela me aparecia com seus cabelos azuis. Eu também irei tê-los, um dia.

A presença dela nas minhas tardes em meio a número e letras e uma solidão voluntária, soava como o sinal do horário da Rádio Guaíba – que não existe mais, infelizmente: pontual. Ansiada pelo chamado e folga nos alfarrábios, voava para a casa dela invadindo a cozinha decorada em quadriculado branco e azul. Eu não lembro de falar nada..só de sentir os cheiros de leite quente com café – eu já adorava café preto, mais as torradas com margarina derretida. Minha avó era moderna, pois apesar de ser Presidente de uma fábrica de banha, dizia que a margarina fazia bem à saúde. No mais, ficava por ali ouvindo aquele diálogo caseiro e gentil que me encantava. Pra variar, eu não dizia nada. Só experimentava gostos e sons.

Não tenho, infelizmente, esta proximidade com minha neta que mora longe, e que, às vezes, ao estar aqui por perto não dá tempo de lhe oferecer arroz com ovo que ambas adoramos, dormir juntas, ler gibis e alguns livros e conversar conversas de criança e avó.

Mas a vida anda e graças a Deus ela já está familiarizada desde muito, com a escrita e leituras, então, desta vez prometi escrever cartas em papéis coloridos, letras desenhadas com emoção e conteúdo de amor, certamente.

Ela sorriu um riso azul que lhe é tão peculiar.

Eu vou escrever para ela, que estou aqui, cravando letra por letra e imaginando o quanto ela poderá entender da minha escrita. Talvez pouco ou nada. Talvez tudo.

Vou contar que fui ao mar, e minhas passadas foram recebidas pelas tatuíras que sobem e descem por entre meus dedos, lépidas, talvez medrosas, ou quem sabe, divertidas. Afinal aqui é o sul, e só faz calor poucos dias do ano. As tatuíras se divertem com os humanos, quando eles não estão a caçá-las para tê-las como isca.

Vou dizer que as ondas me trouxeram os peixes “pampinhas” tão ágeis e felizes que praticamente voam nas ondas e na espuma.

O relato seguirá na perseguição dos sons de sapos coaxando tendo ao fundo os gritos dos Quero-Queros e as marcas dos caracóis nas calçadas refletindo a luz da lua.

Nas falas escritas direi que todo dia vejo um gatinho muito lindo saltitando nos canteiros floridos perseguindo os pássaros, que as borboletas coloridas correm por entre as flores e que pequenas joaninhas desfilam suas cores delicadas nas capas dos meus livros e jornais deixados no chão, enquanto fico ao sol.

E assim escreverei histórias reais e inventadas, para chegar bem perto da minha neta.

O carteiro será nosso cúmplice.

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