segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Aquele Livro

 


Um dia Aquele Livro acordou com um certo mal-estar temperado por genuíno mau humor e imediatamente percebeu que havia em sua capa uma poeira fina que brilhava ao sol em cintilantes pontinhos, mas, sua vista piorou ao perceber que a lombada estava coberta por uma camada de maresia que foi rapidamente desgrudada e na sequência suas páginas arejadas. Resolveu descer algumas prateleiras passando por cima dos colegas que igualmente dormitavam na umidade. Pediu desculpas e desceu empertigado e cheio de razão rumando para os outros cantos da casa que normalmente frequentava nas mãos do seu dono.

Foi mais difícil se locomover, mas encontrou aqui e ali uma mesinha, uma cadeira, uma prateleira - tudo vazio – mas, no fim e ao cabo chegou a grande sala do casarão onde se encontra os aparelhos de audição e visualização tão requisitado de hoje em dia e que, pasmem, ocupam os melhores espaços.

Achou por bem disfarçar e iniciar a visita aos quartos, os pequenos escritórios dos filhos da casa, saletas para pessoas nobres e assim por diante. O que o levou a este tour inusitado foi descobrir o que estava acontecendo neste lar antes repleto de colegas, todos de várias estaturas, cores, alguns estrangeiros, outros portando temas especiais como prosa, poesia, crônicas, história, geografia, enfim, uma infinidade de assuntos que moravam nesta residência de alta cultura e aprendizado.

Resolveu visitar o quarto de estudos dos muitos filhos do casal entrando sorrateiro porque sabia que dentro de suas páginas o teor não era adequado, mas ele queria saber se seus colegas estavam ali fazendo companhia aos seus pupilos. A surpresa ocorreu porque encontrou cinco crianças curvadas e focadas em uma tela.  Não percebeu um livro, um dicionário, um caderno, um lápis de cera, de cor, de grafite, uma caneta, uma borracha. Saiu cabisbaixo e como última esperança se dirigiu ao quarto do casal.

Ao chegar no quarto do casal encontrou os donos da casa sentados na imensa cama, cada um portando um dispositivo na mão e na parede uma tela imensa, ligada. Aquele Livro achou por bem que deveria ficar um tempo ali para ver se um deles perceberia sua presença e o traria às suas mãos para quem sabe, rever o antigo hábito de leitura da noite. Aconteceu que foi resgatado e colocado rapidamente na gaveta do criado mudo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito!!’

Banho de mar

  Engatei a marcha da resolução, pisei firme o pé na areia úmida e gelada seguindo com os olhos vidrados na maré vinda de alto mar até morre...