Cheguei em frente a porta e ao
girar a chave esta não funcionou como deveria mesmo sendo minha há séculos e
usada todo dia uma vez que sem ela não saio nem entro no recinto, tanto meu
corpo físico quanto o que vem dentro dele, com destaque para minha alma, mesmo
que ela muitas vezes queira ficar de fora, resiste a entrar com o que catou na
rua e, teimosa, muitas vezes bate pé em se alinhar a mim no lugar em que
encontro o meu mundo.
Surpresa, incomodada e tudo o
mais que eu poderia sentir a respeito do assunto, sentei-me frente a ela e
comecei a elucubrar porque motivos ela estava se negando a me dar entrada, logo
ela que funciona como meu diapasão do dia, abrindo e fechando o espaço, muitas
vezes oportunizando os embates que travo comigo a darem o fora dali antes que
surja nova ameaça. Vez ou outra, ao exibir sua autonomia sem precedentes, abre
a cancela e permite o refresco da mufa em ”looping”.
De tantas em tantas voltas
para frente e para trás, descortinando com maestria o que vem de dentro para
fora e vice-versa posso imaginar que tenha havido uma negação, um cansaço de
todos os dias ter de prender lembranças que querem se evadir dali para não mais
voltar e também, muitas vezes, soltar o restolho do lixo diário de assuntos
indevidos que teimam em se imiscuir por aqui em qualquer fresta desconhecida.
Pensei, repensei e retirei o
ferrolho com calma e carinho, limpei a engrenagem simples e lindamente
enzinabrada, acomodei na alma os percalços do dia, perfilei por ordem de
importância as lembranças antigas, passei a flanela nos quadros e retratos, olhei
para o mar e virei a chave.

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