quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Virei a chave

 


Cheguei em frente a porta e ao girar a chave esta não funcionou como deveria mesmo sendo minha há séculos e usada todo dia uma vez que sem ela não saio nem entro no recinto, tanto meu corpo físico quanto o que vem dentro dele, com destaque para minha alma, mesmo que ela muitas vezes queira ficar de fora, resiste a entrar com o que catou na rua e, teimosa, muitas vezes bate pé em se alinhar a mim no lugar em que encontro o meu mundo.

Surpresa, incomodada e tudo o mais que eu poderia sentir a respeito do assunto, sentei-me frente a ela e comecei a elucubrar porque motivos ela estava se negando a me dar entrada, logo ela que funciona como meu diapasão do dia, abrindo e fechando o espaço, muitas vezes oportunizando os embates que travo comigo a darem o fora dali antes que surja nova ameaça. Vez ou outra, ao exibir sua autonomia sem precedentes, abre a cancela e permite o refresco da mufa em ”looping”.

De tantas em tantas voltas para frente e para trás, descortinando com maestria o que vem de dentro para fora e vice-versa posso imaginar que tenha havido uma negação, um cansaço de todos os dias ter de prender lembranças que querem se evadir dali para não mais voltar e também, muitas vezes, soltar o restolho do lixo diário de assuntos indevidos que teimam em se imiscuir por aqui em qualquer fresta desconhecida.

Pensei, repensei e retirei o ferrolho com calma e carinho, limpei a engrenagem simples e lindamente enzinabrada, acomodei na alma os percalços do dia, perfilei por ordem de importância as lembranças antigas, passei a flanela nos quadros e retratos, olhei para o mar e virei a chave.

 

 

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