domingo, 3 de agosto de 2025

A luz da escuridão

 


Acordei no meio da noite dentro de uma escuridão, estremeci de frio e levantei de modo mais afoito do que de costume sendo atravessada pela memória que me carregou nos braços, e pé ante pé, gentilmente, me abriu passagem no chão gelado. A luz humana veio a faltar e assim, a sombra falsa do entorno se apagou e no próximo tempo, sem precisão, a luz da casa vem apenas lembrar.

Saquei o lampião do fundo do armário, cheio de pó, e com a ajuda do céu estrelado o coloquei em ação surgindo um lume que bruxuleava espalhando a claridade tênue calmamente acompanhada pelo odor característico de quem o alimentava, causando uma recordação que engatou a marcha ré e trouxe as imagens da granja, do urinol esmaltado embaixo da cama, o chuveiro gelado na rua, os arreios, o pasto orvalhado, o leite espumando e o pão no forno. Após iluminar as lembranças inesquecíveis de um tempo que não volta mais, uma lufada da brisa escura mitigou sua força.

Neste momento a lua ia alta e me deu tempo de acender a vela que ainda restava no meu descuidado arsenal de luz antiga. Esta apareceu tímida, sem saber ao certo para que lado derreter, estremecendo a chama a partir de qualquer movimento restando impossível deixa-la firme. Pensei um pouco e achei que ela estava parecida comigo nesta noite escura com meu passo incerto, gelada e receosa, porém, o brilho do meu olhar sinalizou que havia por ali uma surpresa.

O que eu encontrei em meio a escuridão atenuada foi a perfeita armação de minha lareira que sorridente aguardava o primeiro fósforo. Não perdi tempo, calcei os chinelos, busquei a caixa de fósforos e a luz mais quente iluminou o ambiente e por entre um e outro estalo da lenha as sombras fantasmagóricas da noite se evadiram para além da minha lembrança. Grandes labaredas formaram novas sombras na casa desenhando novas histórias.

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Banho de mar

  Engatei a marcha da resolução, pisei firme o pé na areia úmida e gelada seguindo com os olhos vidrados na maré vinda de alto mar até morre...