Acordei no meio da noite
dentro de uma escuridão, estremeci de frio e levantei de modo mais afoito do
que de costume sendo atravessada pela memória que me carregou nos braços, e pé
ante pé, gentilmente, me abriu passagem no chão gelado. A luz humana veio a
faltar e assim, a sombra falsa do entorno se apagou e no próximo tempo, sem
precisão, a luz da casa vem apenas lembrar.
Saquei o lampião do fundo do
armário, cheio de pó, e com a ajuda do céu estrelado o coloquei em ação
surgindo um lume que bruxuleava espalhando a claridade tênue calmamente
acompanhada pelo odor característico de quem o alimentava, causando uma recordação
que engatou a marcha ré e trouxe as imagens da granja, do urinol esmaltado
embaixo da cama, o chuveiro gelado na rua, os arreios, o pasto orvalhado, o
leite espumando e o pão no forno. Após iluminar as lembranças inesquecíveis de
um tempo que não volta mais, uma lufada da brisa escura mitigou sua força.
Neste momento a lua ia alta e
me deu tempo de acender a vela que ainda restava no meu descuidado arsenal de
luz antiga. Esta apareceu tímida, sem saber ao certo para que lado derreter,
estremecendo a chama a partir de qualquer movimento restando impossível
deixa-la firme. Pensei um pouco e achei que ela estava parecida comigo nesta
noite escura com meu passo incerto, gelada e receosa, porém, o brilho do meu
olhar sinalizou que havia por ali uma surpresa.
O que eu encontrei em meio a
escuridão atenuada foi a perfeita armação de minha lareira que sorridente
aguardava o primeiro fósforo. Não perdi tempo, calcei os chinelos, busquei a
caixa de fósforos e a luz mais quente iluminou o ambiente e por entre um e
outro estalo da lenha as sombras fantasmagóricas da noite se evadiram para além
da minha lembrança. Grandes labaredas formaram novas sombras na casa desenhando
novas histórias.

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