Um despertar diferente me leva a crer que
fiquei com cem anos da noite para o dia. Percebo o pensamento, outrora ligeiro,
parado. Nada dentro da cabeça, todos os nervos embaçados numa farra desordenada
e alegre de neurônios em férias. Sensação estranha e boa, afinal. Parece que
terminou o tempo de pensar. Agora é flutuar. Nem sei meu nome.
Meus ossos são gravetos arqueados e doloridos e as passadas, leves. Bom não ter
vigor. Vigor cansa.
Meu dia de cem anos começa sem tarefas a cumprir. Sem pesos a carregar e sem
novidades a lembrar. O mundo parece só meu e de tanto viver, nada devo a
ninguém. De mansinho um ou outro lembrete da vida começa a se derramar e não
vem de dentro de mim. Vem de fora, de uma folha de papel jogada no chão ao qual
tropeço. Pareço um embrulho roto arrastando a vida que ficou para trás.
O mundo, vazio de futuro, parece comigo. Uma velha cansada. Minha alma jaz ao
meu lado, prostrada e cinza, suplicante para voltar ao corpo. Entretanto, o
tempo não parou como eu pressentia. Queria apreciar o nada. Queria enxergar o
velho. Queria me enxergar e só consigo ver o caminho trilhado com tantos
afazeres empilhados e aprumados que me custa acreditar que aquela fui eu. Cada
vez mais jovem, ocupada e tarefeira, pois na lembrança nada me segurou no
cumprimento da rotina. E a viagem de volta continua, agora bem rápida. Engraçado
como velho anda célere para trás!!!!!
Com avidez, a mente abre todas as gavetas e a realidade transborda de dentro
delas tal qual lingeries de seda macias, coloridas e jovens. E,
agora lembrei, meu dia de cem anos vai acabar. Como o feriado.
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