quinta-feira, 22 de maio de 2025

Hoje acordei com cem anos

 


Um despertar diferente me leva a crer que fiquei com cem anos da noite para o dia. Percebo o pensamento, outrora ligeiro, parado. Nada dentro da cabeça, todos os nervos embaçados numa farra desordenada e alegre de neurônios em férias. Sensação estranha e boa, afinal. Parece que terminou o tempo de pensar. Agora é flutuar. Nem sei meu nome.

Meus ossos são gravetos arqueados e doloridos e as passadas, leves. Bom não ter vigor. Vigor cansa.

Meu dia de cem anos começa sem tarefas a cumprir. Sem pesos a carregar e sem novidades a lembrar. O mundo parece só meu e de tanto viver, nada devo a ninguém. De mansinho um ou outro lembrete da vida começa a se derramar e não vem de dentro de mim. Vem de fora, de uma folha de papel jogada no chão ao qual tropeço. Pareço um embrulho roto arrastando a vida que ficou para trás.

O mundo, vazio de futuro, parece comigo. Uma velha cansada. Minha alma jaz ao meu lado, prostrada e cinza, suplicante para voltar ao corpo. Entretanto, o tempo não parou como eu pressentia. Queria apreciar o nada. Queria enxergar o velho. Queria me enxergar e só consigo ver o caminho trilhado com tantos afazeres empilhados e aprumados que me custa acreditar que aquela fui eu. Cada vez mais jovem, ocupada e tarefeira, pois na lembrança nada me segurou no cumprimento da rotina. E a viagem de volta continua, agora bem rápida. Engraçado como velho anda célere para trás!!!!!

Com avidez, a mente abre todas as gavetas e a realidade transborda de dentro delas tal qual lingeries de seda macias, coloridas e jovens.  E, agora lembrei, meu dia de cem anos vai acabar. Como o feriado.


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