quarta-feira, 5 de março de 2025

Um brechó singular - O conto

 


Luiz Fernando andava na rua sem destino certo com a cabeça empoeirada de assuntos novos e velhos embaralhados e o que mais assustava a ele eram os novos com ar de antigos. Do nada tropeçou em uma escadaria que estava fora de contexto no seu entender, no meio da calçada - que cá entre nós não tinha a menor simetria - o que era comum nesta capital. Talvez em outras fosse assim, mas aí, ele não tinha conhecimento. O nariz se empinou porque um forte cheiro de naftalina invadiu a rua insuflando suas narinas que o guiaram escada acima entrando com frenesi no ambiente altivo de uma loja com incomum variedade.

Mas era muita cara de pau estas vestes e objetos d’antanho se aglomerarem na beirada do passeio público, interpelando o gajo que até agora mantinha certa postura frente ao tempo presente tentando se livrar de moscas varejeiras do passado que o circundava sem dó nestes dias. Parecia ser sempre a mesma coisa, mas, na aurora deste dia ensolarado ele vingou à rua com uma jovialidade incomum causando certo espasmo nos pensamentos e uma delicada euforia que não lhe era habitual. Nem deu tratos à bola para entender, melhor mesmo seguir como se o mundo fosse acabar.

Nada influiu neste pequeno revés do iniciar do seu dia, porém, não lembrou o motivo pelo qual se jogou à rua sem planejar. Deu uma paradinha no caminho, fez uma careta indagativa e logo esqueceu sequer o que havia lhe ensejado o breque.

Passada a pequena loja que lhe confundiu os neurônios, Luiz Fernando retomou seu caminho procurando com muita curiosidade os estabelecimentos que frequentava, mas, por algum motivo não os encontrava. Lembrou-se do cheiro da naftalina e imaginou que talvez aquela droga tenha lhe afetado a direção, ou anuviado seus pensamentos que até então estavam bem vivos. Tinha uma sensação vaga da direção, mas é normal na idade se atropelar em assuntos, lembranças e imagens. Não se preocupava porque sentia que sua mente, suas lembranças estavam como fio desencapado, livre de amarras e que ele era o senhor dos seus passos e de sua mente o que lhe confortava por demais.

Seguiu lépido pelas ruas desconhecidas não se importando com horário até mesmo porque percebeu certa celeuma na contação de ponteiros, se irritou com esta intervenção e resolveu de si para si relegar em segundo plano o passar das horas. Alguns ponteiros marcavam uma hora que ele não conseguia reconhecer e assim decidiu não se importar, pois sua alma lhe sugeria os minutos dos quais ele podia prescindir.

De repente surge em sua frente uma moça muito bonita, com olhos azuis da cor do céu envergando uma roupa de verão muito leve chamando a atenção para uma aparência doce, silenciosa, porém firme. Ao mesmo tempo em que seu perfume inebria Luiz Fernando um abraço muito carinhoso o conduz de volta.

Nenhum comentário:

Dia do amigo

  Encontros acontecem a todo instante cruzando nosso caminho, pulverizando a atmosfera que nos envolve com um delicado lampejo divino e entr...