sábado, 16 de janeiro de 2021

Evasão

 

Eu vi a correria do lado de fora do mundo, e fiquei pensando que seria interessante, ao invés de ir junto, aguardar e observar com lupa quem estava indo por ir, quem se aprumava para pegar a estrada e quem por qualquer motivo nem olhava, somente seguia na meta de lugar nenhum. Cautelosa, mais por andar devagar e estar lenta em quase tudo do que por convicção, me quedei a observar o movimento. 

Não galguei nenhum andar, não subi em nenhum morro e não alcancei nenhum topo de escada, pois me dava a impressão que esta massa disforme que se deslocava não alcançava terra firme. Fiquei no limiar do mundo, no caminho do mesmo, para poder enxergar quem passava por ali e me surpreendi porque não vi ninguém passando, arrastando as chinelas na pedra, na sarjeta, no meio da rua de pedregulhos ou de poeira assentada desde há muito. 

O que se passava nesta minha visão que acabou sendo surreal por todos os motivos uma vez que vagavam como se fossem criaturas de outro mundo os pensamentos, as atitudes, os mandos, os desmandos, a discórdia, a estupidez, a ignorância, os desafetos, a raiva e por ai vai uma longa lista de adjetivos comportamentais que desfilavam à minha frente se aglomerando em grandes blocos, se arrastando a centímetros do chão em lenta progressão para lugar nenhum, me parecendo que o importante era reunir a massa e arrastar-se como praga pestilenta. 

Constatei que nos arredores, pela frente, por detrás ou pelos lados não havia os sentimentos antagônicos ao desfile que acabava de presenciar o que me causou grande aflição. Iniciei minha procura pautando o que eu poderia ver e que tanta falta faz e que desse conta de dissipar aquela nuvem tenebrosa que se arrastava ao rés do chão.

Fui andar um pouco mais para perto do mar e assim fui encontrando a natureza marítima de prontidão e sorrindo para mim lembrando-me que os bons sentimentos nunca mudam e jamais rastejam em formato desastroso, pois eles estão em todos os espaços vitais, nos sorrisos, nos olhares amigáveis, no andar cambaleante de idosos e bebes, no corre-corre dos jovens.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...