segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O Intruso

Nem bem começou o encontro e já se aproxima o cara que por qualquer motivo lança seu olhar de cima dando a impressão que nem quer entrar quanto mais participar. Rosna um bom dia e ameaça sorrir, mas de repente, não mais que de repente, engole o sorriso que deverá ficar armazenado até que haja outra ocasião, pois pelo jeito esta atual não é merecedora de exposição mínima de agrado a quem assiste sua entrada triunfal. 

A conversa corre solta com variantes de todos os vieses que possam deixar o ambiente tão aberto como um largo sorriso nos olhos de tantas saudades, com braços estendidos no ar para um abraço, vozes que não se cansam de procurar o diapasão para que nada saia do tom e o motivo aparente se transforma em uma massa de conversa que abençoa a todos, seguindo em franca recuperação do tempo perdido, do tempo calado, do tempo enviesado, do tempo roubado. 

Enquanto se vai no vai da valsa com os passos da dança otimista e abençoada que ensaia novo ritmo uma vez que entrevado de há muito, a figura extemporânea a cada minuto se afasta mais e mais de fazer parte do momento, ocasião única, em que abrigados do sol escaldante, dos ventos airados e do populacho escandaloso se procura, como agulha no palheiro as conexões que andaram retorcidas como fio elétrico que pegou fogo. 

Devagar e com o capricho dos sentimentos à flor da pele a costura vai sendo executada com sucesso mesmo que haja àquela hora de falar todo mundo ao mesmo tempo, cruzar assuntos e rolar conversa paralela deixando á deriva a ocasião. 

A única pedra no sapato do dia foi o intruso que com a cabeça baixa manipulava seu celular alheio ao mundo com Vida que o cercava, chamava a chincha, sorria com os olhos, abraçava sem braços caindo no vazio de ouvidos moucos.

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