sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Sala virtual




Era uma Sala incomum porque era grande, muito grande, não causava estranhamento porque não havia uma cor definida e também o seu contorno métrico permanecia angular e de certa maneira adaptável mudando ocasionalmente a feição mobiliar. O espaço levou um tempo sendo frequentado por muitas pessoas que ali aportavam para ouvir de tudo um pouco deste mundão maluco em que vivemos, e na mistura dos assuntos ia se definindo lindamente o gosto de cada um naquela escuridão coletiva.

O encontro marcado acontecia todos os dias e havia sempre no ar aquela expectativa dos encontros virtuais, parecendo talvez que a todos agradasse a condição de desconhecidos, sem idade, sem cor, sem status, feios, bonitos, mais ou menos, ricos, pobres, na ativa ou no bem bom, no inicio, no meio ou no final da vida. Detalhes de somenos importância!  Não importava, todos levantavam cedo, uns caindo da cama, outros saltando e outros se arrastando, estonteados para ver quem entrava primeiro no Salão das Verdades sempre ditas. Bater o ponto à risca e encontrar todos os dias os mesmos desconhecidos era o objeto de desejo dos frequentadores da Sala.

Por ali trafega em alta velocidade o compartilhamento do conhecimento, esclarecimento aos menos interessados, o humor batendo de frente com o mal humorado relativizando as contendas, as ausências eram sentidas assim que o personagem sem rosto e apenas com seu nome não aparecia naquele dia, porque ali a gravação era de palavras. E elas não eram ao vento, não, não eram.

De um modo descontrolado, evasivo e praticamente imperceptível a Sala tomou um contorno inesperado e passou a não entender ou atender a turba frequentadora, e assim, do dia para noite, tornou-se uma pequena sala comum, com paredes pintadas de cinza e na locução a voz monocórdia que falava para quatro paredes entre dois.  E foi deste jeito surpreendente que o alvorecer tornou-se sem graça e sem propósito. Melhor dormir um pouco mais.
(Foto: Vera Lucia Renner – Alvorecer Capão Novo)

Um comentário:

Helena Maria Duarte disse...

Que linda crônica, descreve com nuances delicadas nossa convivência nessa sala de amigos virtuais, unidos por princípios.

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