domingo, 27 de setembro de 2020

Conversalhada

Sentei-me ali prevendo que em um lugar lindo e inusitado onde a natureza acolhe um móvel de estilo, deve ser por um momento apenas, porque provavelmente lhe aguarda uma sala como seu destino final e alguém, por qualquer motivo, fez uma parada estratégica e deixou que o seu estilo antigo repousasse entre a natureza. Quem sabe está em duvida do espaço que ira ocupar na casa, cuja arquitetura está sendo estudada com astúcia, podendo ser uma sala rustica de uma fazenda, com a intenção de dar um toque mais que especial e de certo modo incisivo em como ele vai representar quem for lhe assentar para uma prosa.

Talvez seu dono o leve para algum recanto onde os assentos estarão distribuídos com esperteza provendo o local com bancadas estratégicas, cadeiras de maior composição e outras de menor, assim como o magnifico móvel que ora espreita no campo aguardando sua vez para ser acomodado. Tem gabarito e boa nascença uma vez que é composto por uma madeira nobre e muito bem talhada sendo envolto em macio tecido. Acredito que a confecção foi feita sob medida para dar o toque silente em conversas mal versadas ou mal intencionadas quando tudo estiver acomodado no espaço dedicado a interlocução de poucos e, talvez, de muitos.

Por certo o espaço reservado para acomodá-lo foi arquitetado com muito prumo e relevante boa vontade uma vez que ali se alevantam vozerio e garganteio tomando assento de maneira casual na iniciação das conversas, porque o assunto também depende da personalidade dos convidados. Imponente, ele se instala em meio aos seus pares mantendo-se altivo na missão de arrefecer  as vozes que eventualmente saem do tom gerando uma desconversa.

domingo, 20 de setembro de 2020

Na sombra do caleidoscópio

Achei o caminho com facilidade e sem muito pensar segui a trilha marcada com aplicação, como se não houvesse, pelo menos naquele dia outra direção. De certo modo eu estava muito cansada de pensar, decidir e levantar o olhar para analise mais aprofundada estava fora de questão, mais não seja pela falta absoluta de alternativa.

O dia estava iluminado e quieto, paradíssimo, eu diria, e, para minha surpresa eu não conseguia, inclusive, ouvir o meu pensamento o que me forneceu a impressão lúgubre de ele estar sintonizado em outra frequência que não a minha habitual. Nem me amofinei e deixei para lá esta impressão porque hoje, justamente, não me interessa o que estou pensando de fato.

O caminhar desta manhã tem o propósito de esvaziamento de tudo e não me importo nem com o destino, ele, pelo jeito também se evadiu de mim, não demonstra boa vontade no apontamento e também o sinto paralisado, moribundo ou quem sabe até já morreu e esta no Limbo fresteando os acontecimentos dos mortais. Pobres mortais.

Fiquei contente por ter a oportunidade de silenciar a minha cabeça barulhenta que nunca quer dar ponto sem nó e totalmente maniática em evoluir os assuntos me empurrando para todo bate cabeça que se apresente incontinenti. Quero largar fora desta orgia de falatórios, de disse me disse seguindo a dança satânica onde existe apenas aquele brete e a variação acontece sempre para o mesmo lado, mudando os personagens, a retórica,  os pontos e as vírgulas, dando aquele sopro que parece brisa, mas tem potencial de furacão.

Resolvi andar no vazio para variar e então me lembrei de ficar contente porque de certo modo houve um reencontro profícuo nesta hora. Nasci bem assim, quieta, assombrada, olhando sempre para tudo como se tivesse dentro de mim um grande, multicolorido e sombreado Caleidoscópio.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Duo de textos: homenagem ao Chef Kaiser por Leonardo Leiria e Vera Lucia Renner

Leonardo Leiria sugeriu e assim foi feito. Com carinho escrevemos dois textos, cada um com sua interpretação em relação ao nosso amigo em comum e virtual, Chef Kaiser. Apreciem!


 Ele é o Cara, por Vera Lucia Renner

Ele caiu aqui, bem pertinho da minha banda, diria que na minha cara até, e percebi que minha tela de computador nunca mais seria a mesma, pois se espalhou uma presença de múltiplos talentos que a cada dia surpreende por ter dentro de sua cachola coisas e mais coisas para dizer e também contar, sem falar, é claro de ajudar. Talentoso na alquimia dos alimentos transforma o menos nobre em garantia de matar a fome e vai deste jeito entre comidas e conversas arrasando na maneira de conquistar. Pela boca é óbvio, mas o talento e a audácia de ajudar a todos são extraordinários.

“O cara” se habilita a pilotar as caçarolas articulando com os temperos, os ingredientes, os de alta casta e os de menos, as farinhas, as carnes, os grãos, as hortaliças e mais aquelas criaturas para lá de esquisitas do “front” do outro lado do mundo que vão para o óleo fervente, para a panelada de socorro e quiçá no mais das vezes tem que encarar mesas nobres. Acredito que nem use batedor de bife porque para ele o jagunço culinário tem que se ajeitar na manha, no molho e na temperança.

Na comunicação das telas, das redes, dos grupos vai ao mesmo tom, misturando os assuntos, apresentando soluções rápidas, valorizando quem lhe passou pela frente com apenas um “oi” parecendo que para ele o “existir” do outro tem valor intrínseco às suas convicções. O Bem antecede o seu nome, o seu talento, a sua bondade. Não por acaso o cozinheiro finalizou um bolo com maestria reunindo a pimenta, o cítrico, o amargo, o salgado e o doce e, este, somos nós! 

                                                 Apreço por Leonardo Leiria

                                     

De quando em vez, nos deparamos com questionamentos a forma, jeito ou maneira de "levar as coisas"...

Preferências, cores, culinárias, caminhos, povos e destinos...

 "Cá de hoje" resolvi me oferecer um diagnóstico, acerca de uma pessoa. Trilhei o raciocínio e pensei: como podes ter apreço por alguém a quem não conheces pessoalmente, com quem nunca travaste contato mais marcante ou expressivo? Pois é, ocorre que já li sua escrita! Já li suas discretas linhas em redes sociais. Já soube de quão solidário é aquela figura.

Parece ser gaúcho, mas não se sabe - ao menos eu - como está morando tão distante. De "outríssima banda" transmite magnífica postura de bem estar, quando se tem o prazer de ver suas ditas postagens, das terras de além-mar, em seus deslocamentos, sempre com embalo de fundos musicais maravilhosos, é permitido concluir... este cara é  feliz...Certamente também deixa a gente de seu círculo feliz....conquista amizades com espantosa velocidade!!!!

Penso que talvez pela jovem bondade de um homem jovem... de nome artístico Chef Kaiser, pois negar -lhe o rótulo de artista, seria imprudência...

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Café derramado por Vera Lucia Renner e Leonardo Leiria

 

 


Mentes recheadas de letras entre as palavras acabam se encontrando no limiar dos parágrafos, travessão, ponto e vírgula e assim nos descobrimos Leonardo Leiria e eu. Saltar para uma criação de texto em conjunto foi apenas questão de tempo. Apresentamos aos nossos diletos leitores este texto “Café Derramado”. Parágrafo 1 e 3  de minha autoria e parágrafo 2 e 4 do Leiria. Confiram!

 Café derramado por Vera Lucia Renner e Leonardo Leiria

O plantio, a colheita, a fabricação do pó do café ou em grão segue um rito cheio de superstições desde o inicio e eu já encontrei vários no meu tomar a primeira xicara de café todo dia. Dei-me conta que a caminhada até a cafeteira vai sendo compassada por um pensamento fixo e obsessivo em relação à bebida, dando uma pinta de que não sou nada nem ninguém antes de ela chegar a mim, bem quentinha. Fico ali, de cantinho, na espreita, acompanhando o rufar da água se deitando sobre o pó.

Pois é, café com vassoura não combina, mas há uma ação que era praticada antigamente, de colocar uma vassoura atrás da porta, virada, para afastar visita indesejada. Portanto, pertine discutir a assertiva de que não estavam umbilicalmente ligados. Derramar café, creio, seja uma verdadeira Instituição, pois poderá oferecer até, quiçá, "juízo de valor".

Há quem suponha que despejar a bebida significa desequilíbrio mental, afã para chegar ao destino, pressa de interromper, ingerir com avidez e acelerar as falas bordejando no proposito de desarrumar. É sempre de bom tom examinar com certa acuidade quem serve café arrevesado, derramado no pires, frio e sem açúcar.

Ao fim e ao cabo o serviço oferecido por este histórico cerimonial até oriundo, quem sabe, lá do Olimpo, possa ser uma antevisão para alternativas difíceis, convivência em grupo, limite de tolerância e renúncia nas relações de paixão e defesa de pontos de vista, que de fato, de amplitude estratosférica, que nos enseja pensar: derramei café ou nunca vou derramar café...

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Sala virtual




Era uma Sala incomum porque era grande, muito grande, não causava estranhamento porque não havia uma cor definida e também o seu contorno métrico permanecia angular e de certa maneira adaptável mudando ocasionalmente a feição mobiliar. O espaço levou um tempo sendo frequentado por muitas pessoas que ali aportavam para ouvir de tudo um pouco deste mundão maluco em que vivemos, e na mistura dos assuntos ia se definindo lindamente o gosto de cada um naquela escuridão coletiva.

O encontro marcado acontecia todos os dias e havia sempre no ar aquela expectativa dos encontros virtuais, parecendo talvez que a todos agradasse a condição de desconhecidos, sem idade, sem cor, sem status, feios, bonitos, mais ou menos, ricos, pobres, na ativa ou no bem bom, no inicio, no meio ou no final da vida. Detalhes de somenos importância!  Não importava, todos levantavam cedo, uns caindo da cama, outros saltando e outros se arrastando, estonteados para ver quem entrava primeiro no Salão das Verdades sempre ditas. Bater o ponto à risca e encontrar todos os dias os mesmos desconhecidos era o objeto de desejo dos frequentadores da Sala.

Por ali trafega em alta velocidade o compartilhamento do conhecimento, esclarecimento aos menos interessados, o humor batendo de frente com o mal humorado relativizando as contendas, as ausências eram sentidas assim que o personagem sem rosto e apenas com seu nome não aparecia naquele dia, porque ali a gravação era de palavras. E elas não eram ao vento, não, não eram.

De um modo descontrolado, evasivo e praticamente imperceptível a Sala tomou um contorno inesperado e passou a não entender ou atender a turba frequentadora, e assim, do dia para noite, tornou-se uma pequena sala comum, com paredes pintadas de cinza e na locução a voz monocórdia que falava para quatro paredes entre dois.  E foi deste jeito surpreendente que o alvorecer tornou-se sem graça e sem propósito. Melhor dormir um pouco mais.
(Foto: Vera Lucia Renner – Alvorecer Capão Novo)

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Do avesso




Sinto-me do avesso em muitos e muitos dias parecendo que esta condição adere-se a mim, vez ou outra, sem que eu possa identificar a causa. Vai ver que a minha composição de ossos, carne e sangue, por fora, não anda lá estas coisas, mas depois, fico pensando que a que está por dentro deve estar para lá de “Marraquesh”. Mas, vá lá, melhor imaginar que tudo segue em bom estado e dentro da Lei de Deus, óbvio.

Por carregar esta aflição de ser outra e não eu, fico na escuta do que possa ocorrer se me quedo assim, avessada, com as entranhas de fora, passeando por ai e mostrando a todos minhas verdades, mais, muito mais que internas e íntimas.

Esta visão de mim deste jeito travesso me dispõe todas as desculpas para que eu possa levantar e seguir no rumo não desenhado que tracei para mim, este jeito de olhar para fora sem enxergar, de ver as gentes e não senti-las de fato, uma vez que as vozes de lá e de cá andam parafraseando tudo e com tantos matizes que meu cérebro, agora do lado avesso, as repele.

E, por estar arrevesada e gostando deste estado minimalista a “A La Salvador Dali” vou desagravando tudo o que me passa pela frente com a lente do absurdo empunhada com gosto. A envergadura me faz um grande favor porque a tendência de quando se tem o corpo aramado de normal face às irrelevâncias costumeiras é relativizar, perdoar, achar que não é bem assim e talvez virar a cara e a página.

Por ora, me quedarei neste torpor do avesso, senão para assombrar o inimigo que não consegue mais me ver de fato, mas talvez pela irrecusável diversão!


Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...