quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Todos os minutos



Se eu tivesse todos os minutos de minha vida disponíveis para te ouvir, eu teria muitas palavras a mais em meus textos para brincar, ousar nas letras originais ensaiando uma conversa infinita de tanto ouvir.

Se eu tivesse todo este tempo agora e muito mais pela frente, certamente não me ateria em descobrir fonemas através de linhas que caem.

Se eu tivesse menos ligações interrompidas bruscamente deixando mudos teus lábios e meus ouvidos sem som, eu ficaria com mais ânimo para buscar escritos renovados.

Se eu tivesse chance de a qualquer momento te falar, eu comporia muitas letras desconexas só para poder te ouvir dizer que não as entende.

Se eu tivesse ao meu dispor os minutos que colocamos fora sem dó e por nenhum motivo, tentaria juntá-los e formar uma hora. E de tantas em tantas horas a mais, nosso vocabulário se alongaria só com conversas que somente eu e tu entendemos.

Se eu tivesse uma hora a mais no meu dia certamente eu ficaria em tua frente sem nada falar, ouvindo o bater do teu coração, um coração cheio de assunto.

Se eu tivesse duas horas de sobra coladas na minha rotina eu as reservaria para que uma noite se encompridasse, com todos os minutos.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Vou embora



Lembrei-me da minha mochila, aquela bem surrada de couro, nem grande nem pequena que parecia engordar e emagrecer conforme minha vontade de levar muito ou deixar muito, levar pouco, ou nada deixar. Havia sempre este drama e ela se acostumou tanto comigo que não se importava de viver a mercê dos meus humores, de não saber direito para que lado eu a iria conduzir, se a esqueceria no fundo do armário, ou oca e à vista, para que eu não esquecesse de levantar e sair se tornando a bússola da minha alma. Digo alma porque ela era o meu bornal de sentimentos e, para onde meu desejo me levasse, ela levaria os excessos.

O saco de viagem era minha companhia imbatível nos tempos de ir e vir, na época longínqua que não me custava nada levantar e partir com qualquer convite, porque meu lema - é só me chamar que eu vou – funcionava a pleno vapor. Não pense que eram pessoas a me chamar, não, era a Vida acontecendo ali fora com a natureza caprichosa dando a letra e talvez um ou outro assunto relevante, mas não determinante. De tão acostumada a ir resolvi encontrar a minha vida que me vem suplicando com um olhar pendurado que lhe dê ouvidos e penso que ela tem muito a dizer, e com razão.

Tive que parar para pensar em qual canto joguei minha mochila viajeira e depois de um bom tempinho eu a descobri, empilhada em um canto do armário, amarrotada e vazia.  Deu uma pinta que ali estava ela, sem vida, sem proposito e serventia. Retirei-a dali ardendo de arrependimento de tê-la abandonado e assim corri para encher seus compartimentos com as coisas que eu precisava levar, uma vez que eu iria embora. Juntei apenas os meus maiores interesses de compaixão e anseio porque apenas deles eu necessitaria e cabem com folga na rota sacola. Porém, eu, com varias vida em uma, velha de ser tantas e tão jovem por não ser nenhuma fui surpreendida pelo SENHOR PAVOR que se aboletou soberano no meu – até então – inocente desejo de partir.



sábado, 15 de agosto de 2020

Medo



Baixou uma neblina aqui e não consigo enxergar o mar e dei-me conta que a minha vista também anda apequenada e turva - não vai muito adiante – e, assim, minhas vontades também encurtaram, já não eram muitas, mas andam tão sumidas que fica difícil em pensar com clareza do que preciso. Em contrapartida minha mente se expandiu de tal forma que estou sempre em duvida do que segurar ou do que deixar ir, porque nem tudo presta.

Na paradeira, a liberdade de navegar em temas dos mais simples aos mais complexos fica perceptível que vem de tudo um pouco e o movimento se concentra na singeleza que aceito com prazer e vou colocando na prateleira virtual da vida estas sugestões e assim, na medida em que careço de algum contexto, é ali que vou encontrar. De certo modo ando presa também em argumentos.

O acúmulo de assertivas, indagações, algumas certezas e muitas dúvidas vão se dispondo sozinhas, ao seu bel prazer. Fico de olho analisando o movimento instintivo dos meus sentimentos. Aqueles que não coloquei freio, arreio e muito menos um selim, para que eu possa ter liberdade de me enganchar em qualquer um deles e usar o relho corretamente, se necessário.

Interessantemente, na vitrine organizada, que todo santo dia encaro com o propósito de estabelecer algum tipo de liberdade para praticar a meu favor, mesmo com pequena chance de sucesso, sinto no ar aquela ameaça sorrateira, escorregadia, reluzente no seu propósito, a me encarar, brincando de gato e rato comigo. Com certeza O Medo veio de fora, não de dentro de mim.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Conversa fiada



Tenho saudades de pouca coisa, muito pouca coisa mesmo, mas me surpreendi que entre estas raras, uma tem a ver com conversa fiada, logo eu, que ando por ai sempre querendo aprofundar o assunto, filosofar sobre tudo, achar que tudo tem um sentido e que não podemos – nem devemos – jogar fora interlocuções profícuas e correr das de menos como o diabo foge da cruz quando elas aparecem, nem forçando ou na marra.

Resolvi me deter no assunto para dar uma virada de página mais radical e me certificar que meus neurônios não viciaram na audição peremptória e maçante destes dias, longos dias na verdade que até me fazem esquecer a quantas eu ando, o dia se confunde junto com as datas e o por do sol chega tão perto do amanhecer que fico mesmo confusa. Deve ser por este motivo que resolvi lembrar do que eu tanto achava ruim e de pouca serventia.

Vai daí que além da conversa fiada execrada por mim lembrei-me de outros colóquios malditos que sempre aconteciam quando eu menos esperava, como por exemplo, dobrar a esquina e me encontrar de frente ao vizinho boca suja que só sabe falar mal dos outros e com uma fieira tão grande de desabonos de tudo e de todos que me dava engulhos. Era muito difícil cair fora da corja grudenta, mas me dei conta que até destes eu não ando fugindo, talvez  porque agora são raros.

Por fim, lembrei-me da conversa de salão onde não há o que de mais desconexo possa acontecer em uma reunião de pessoas desconhecidas. Não é o fato de ser somente um público feminino, não. Sempre ao frequentar estes centros entro muda e saio calada porque ouvir as conversas cruzadas se constitui em um manancial de assombro que perdura por muitos dias. Digo isso porque ao sair do lugar, de pronto me sento em qualquer mureta anotando o que me servirá para historias. Deste sim, sinto falta.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...