Amanheci embalada por uma Música ao fundo que
parecia fazer parte do despertar, parecia ter também uma vida própria, muito
mais do que eu que estou sempre desesperada na busca dela e ela me foge como o
Diabo da Cruz. De certo modo ela embala com um fundo sonoro, dos mais
apropriados, toda a orquestração dos bichos que acordam muito antes. Parece ser
um fundo tão rico no arranjo que fica um pouco difícil ouvir quem canta melhor
por ali. Persistem-se os acordes melodiosos ou os barítonos e sopranos ou ainda
os agudos e longos. Para mim não importa, o que se retrata neste nascer do dia é
o meu ouvido que escuta como se fizesse parte do acordar para poder viver, como
se o som se revelasse todo dia como um elemento imprescindível para compreender
a conexão com o mundo. Barulhos os mais
variados.
Mas, não demorou muito, para que eu me
distraísse e até abdicasse deste interruptor sonoro e assim me volto ao meu
amante preferido: o Silêncio. É com ele que amo passar dias e noites num
conluio de palavras inaudíveis, de longos olhares que trespassa a alma indo
muito mais além do que foi, do que é e do que poderá vir a ser nestes momentos.
É com ele que me deito e rogo para que não se distraia de manter sua boca
fechada e seu pensamento também, porque esta ausência é quem vai dar o tom da
muda conversa, isto se por ventura ela acontecer entre um dia e outro. Ele faz
parte de mim e lhe dou tanta importância que provavelmente sem ele eu morreria
de paixão. Paixão pelo Silêncio.
Neste devaneio sagaz aonde vou colocando
minhas cartas na mesa com muito menos sabedoria do que eu possa almejar, vou
descobrindo que o terceiro elemento que cursa sua cara por aqui, se chama Tempo.
Ah, seu maldito, com seus ponteiros acusadores, marcam sem dó nem piedade a
acusação do que perdemos lá atrás, do que esquecemos por aqui no momento
presente ou que falseamos ingenuamente o pensar para frente, para a vida que
vem, para o outro dia, para a próxima hora, minuto, enfim.
Assim, assaltada por estes três peraltas
achei por bem deixa-los à vontade de fazer de mim seu algoz, assim passarei a
minha vida entre o idílio Musical que vai elevar minha alma certamente aos
céus, ao Silêncio que na sequencia vai acalmar meu ânimo e me obrigar a pensar
melhor e ao Tempo, esta fortuna escondida no meu alforje e como um anjo da
guarda não me deixa por nada deste mundo.
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