terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Três ativos


Amanheci embalada por uma Música ao fundo que parecia fazer parte do despertar, parecia ter também uma vida própria, muito mais do que eu que estou sempre desesperada na busca dela e ela me foge como o Diabo da Cruz. De certo modo ela embala com um fundo sonoro, dos mais apropriados, toda a orquestração dos bichos que acordam muito antes. Parece ser um fundo tão rico no arranjo que fica um pouco difícil ouvir quem canta melhor por ali. Persistem-se os acordes melodiosos ou os barítonos e sopranos ou ainda os agudos e longos. Para mim não importa, o que se retrata neste nascer do dia é o meu ouvido que escuta como se fizesse parte do acordar para poder viver, como se o som se revelasse todo dia como um elemento imprescindível para compreender a conexão com o mundo.  Barulhos os mais variados.

Mas, não demorou muito, para que eu me distraísse e até abdicasse deste interruptor sonoro e assim me volto ao meu amante preferido: o Silêncio. É com ele que amo passar dias e noites num conluio de palavras inaudíveis, de longos olhares que trespassa a alma indo muito mais além do que foi, do que é e do que poderá vir a ser nestes momentos. É com ele que me deito e rogo para que não se distraia de manter sua boca fechada e seu pensamento também, porque esta ausência é quem vai dar o tom da muda conversa, isto se por ventura ela acontecer entre um dia e outro. Ele faz parte de mim e lhe dou tanta importância que provavelmente sem ele eu morreria de paixão. Paixão pelo Silêncio.

Neste devaneio sagaz aonde vou colocando minhas cartas na mesa com muito menos sabedoria do que eu possa almejar, vou descobrindo que o terceiro elemento que cursa sua cara por aqui, se chama Tempo. Ah, seu maldito, com seus ponteiros acusadores, marcam sem dó nem piedade a acusação do que perdemos lá atrás, do que esquecemos por aqui no momento presente ou que falseamos ingenuamente o pensar para frente, para a vida que vem, para o outro dia, para a próxima hora, minuto, enfim.

Assim, assaltada por estes três peraltas achei por bem deixa-los à vontade de fazer de mim seu algoz, assim passarei a minha vida entre o idílio Musical que vai elevar minha alma certamente aos céus, ao Silêncio que na sequencia vai acalmar meu ânimo e me obrigar a pensar melhor e ao Tempo, esta fortuna escondida no meu alforje e como um anjo da guarda não me deixa por nada deste mundo.

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