sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Instantes



Parecia demais olhar sem ver de verdade, tomar conhecimento e fazer olho virado, enxergar tudo bem de pertinho e ignorar, limpar a vidraça que oculta o que demais aparece na minha frente mesmo fora de contexto, ser obrigada a enxergar tudo que me vai pela fuça, na caminhada, na janela, na porta da rua. Melhor virar as costas para buscar o relevante, o que existe mais para dentro, nas profundezas do não mostrado, no interior de mim bagunçado e quem sabe, deste meu quadrado, agora minimalista pelo efeito das escolhas.

De cobrança em cobrança, a existência vai virando algoz de si mesma, exigindo um tanto a mais, que tenhamos olho vivo, coração batendo no ritmo de todos, mente não somente aberta, mas escancarada, boca que emite todas as palavras absolutamente certas, braços abertos para tudo, pernas ligeiras e ágeis para trilhar os caminhos e alvorecer sem distração. O que tem que imperar é o foco.

Dei uma olhada nisto tudo e achei por bem mudar. Em primeiro lugar vou instalar pesadas cortinas nas aberturas, ferrolho na porta e também vou procurar aproveitar que meu lado esquerdo anda meio surdo e coloca-lo na vigília, assim, tudo o que eu ouvir virá embaralhado, e, não podendo discernir o que presta ou não, vou ignorar tudo com veemência. Quero para mim, acuidade revoltosa, negação do som claro, repúdio de tantas palavras sem sentido, ojeriza ao supérfluo e perspicácia no importante.

Deste jeito arrevesado mudo de cara para caveira, e agora, com certa liberdade de expressão, vou mergulhar no que posso alcançar apenas com o rabo do olho, o que posso ouvir que venha da natureza, que a sonoridade da casa seja partilhada com os trinados de uns e outros, que a galharada das árvores dancem e cantem conforme o vento do dia, que o sol brilhe nas plantas e que assim se possa escutar a evolução das suas flores e folhas, que o azul do céu apareça para lembrar que menos é mais, que o vento surja apenas para brincar de casamenteiro e que eu, cavernosa neste período, possa deixar minha ossada repousar por instantes. Instantes!

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