Parecia demais olhar sem ver de verdade,
tomar conhecimento e fazer olho virado, enxergar tudo bem de pertinho e
ignorar, limpar a vidraça que oculta o que demais aparece na minha frente mesmo
fora de contexto, ser obrigada a enxergar tudo que me vai pela fuça, na
caminhada, na janela, na porta da rua. Melhor virar as costas para buscar o
relevante, o que existe mais para dentro, nas profundezas do não mostrado, no
interior de mim bagunçado e quem sabe, deste meu quadrado, agora minimalista pelo
efeito das escolhas.
De cobrança em cobrança, a existência vai
virando algoz de si mesma, exigindo um tanto a mais, que tenhamos olho vivo,
coração batendo no ritmo de todos, mente não somente aberta, mas escancarada,
boca que emite todas as palavras absolutamente certas, braços abertos para
tudo, pernas ligeiras e ágeis para trilhar os caminhos e alvorecer sem
distração. O que tem que imperar é o foco.
Dei uma olhada nisto tudo e achei por bem
mudar. Em primeiro lugar vou instalar pesadas cortinas nas aberturas, ferrolho
na porta e também vou procurar aproveitar que meu lado esquerdo anda meio surdo
e coloca-lo na vigília, assim, tudo o que eu ouvir virá embaralhado, e, não
podendo discernir o que presta ou não, vou ignorar tudo com veemência. Quero
para mim, acuidade revoltosa, negação do som claro, repúdio de tantas palavras
sem sentido, ojeriza ao supérfluo e perspicácia no importante.
Deste jeito arrevesado mudo de cara para
caveira, e agora, com certa liberdade de expressão, vou mergulhar no que posso
alcançar apenas com o rabo do olho, o que posso ouvir que venha da natureza,
que a sonoridade da casa seja partilhada com os trinados de uns e outros, que a
galharada das árvores dancem e cantem conforme o vento do dia, que o sol brilhe
nas plantas e que assim se possa escutar a evolução das suas flores e folhas,
que o azul do céu apareça para lembrar que menos é mais, que o vento surja
apenas para brincar de casamenteiro e que eu, cavernosa neste período, possa
deixar minha ossada repousar por instantes. Instantes!
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