terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Quem se importa


Errei o caminho porque havia me cansado do teor da conversa, dos tropeços nas mesmas pedras, as mesmas areias secas por entre caramujos e os velhos e moços entremuros. Esta conjunção me elevou e muito ao enfado da vida. Assim, joguei meus dados avelhantados para o outro lado, aquele lado que não me doía tanto, aquele prumo que não está calcificado, aquela parte de mim que não se tomou de amores pela idade, aquela versão bem feita, aquele pedacinho que resiste a praticamente tudo. Praticamente. E um pedacinho só.

Então, com esta sanha de bem nova, tracei com certo rigor novas linhas de aparição para poder apurar meu ouvido que, de tanto se fazer de mouco já não tem muita serventia. Para ter sucesso na empreitada me endireitei para ouvir estas novas conversas. Achei que já era tempo de escutar o que de certo modo eu apagava, sem tomar conhecimento na escrita e, no áudio, fazia questão de baixar o volume, acho que mais por birra e preguiça do que por qualquer outro motivo.

Pensando melhor, achei por bem, ao invés de reinventar ou criar uma nova persona eu deveria me esforçar para olhar por sobre o ombro e procurar os meus esqueletos escondidos, mas para que isso acontecesse era necessário fingir ser outra, ter um pensamento de andarilha e não de ermitã de araque, precisava, não somente parecer, mas ser diferente, mesmo sendo igual. Igual a mim e a tantas outras que vivi.

Deste modo fui me desdobrando em tantas quantas eu poderia lembrar e com esta egressão oportuna fui reencontrando dentro de mim múltiplas facetas. Com este afã de mudança reencontrei a minha personalidade com todas as suas nuances, muito bem desenhadas conforme eu lembrava nos meus melhores momentos. Mas achei de fato difícil integrar àquela, a que hoje se apresenta no espelho. Pensei um pouquinho, dei uma espiada na paisagem e decidi parar de me amofinar com o quê, ou quem fui. Quem se importa.

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