domingo, 14 de janeiro de 2018

Que Deus me ouça


Foi um pouco demais para mim naquele dia ter de enfrentar um mergulho não programado, um afundamento que me tomou o corpo todo de surpresa, que, além de submergir cada pedacinho de mim deixou escondido todo o meu sentimento, toda a minha indignação, minha reação a tudo, meus amores perdidos que, aparentemente, não me querem deixar em paz, mesmo depois de mortos.

Fui mais esperta, talvez, que os demônios de plantão nos arredores e fiquei com o meu respiro para fora naquele aguar tão profundo. Acalmei-me um pouco porque achei interessante flutuar um pouco pela história, ficar a mercê de uma onda muito maior do que eu, não sentir as dores do esqueleto que resolveram se apegar a mim com um amor tão arraigado que parece impossível livrar-me delas. Mas tudo isso surgiu, talvez, para que eu possa enxergar que eu sou essa densa massa que me envolve. Eu faço parte intrínseca deste envoltório que por muitas vezes eu acabo excluindo, porque penso que ficar sempre dando a cara à tapa, me expondo sem defesas é uma boa alternativa. Mas não é.

A escuridão me envolve e por isso me traz o acomodamento de que eu tanto preciso, me cinge em um negrume que minha alma anseia, que minhas entranhas se confortam e planam no infinito sem destino de flutuação. A ausência se considera a rainha da festa porque neste estágio nada pode apontar, nada pode sugerir, porque o mistério envolve o corpo e este, está em atitude de suspensão.

No envolvimento deste planar fiquei em aberto, sem nada para resolver porque de fato, ao me encontrar nesta roubada, a única saída é respirar e assim foi feito. De nariz em pé me senti como se voltasse no tempo, mas não para sangrar o que passou, mas sim para soprá-lo e fazer dele folhas ao vento, pólen de flores que plana no ar, migalha de pensamento que se evapora, partícula da névoa praiana que se dissipa, maresia que enche os pulmões a pleno, ar da noite que refresca, brisa de outono que se anuncia e assim Deus me ouça.

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