Não tive nem tempo de me aprumar naquele dia
e já me vi banhada pelos salpicos das lembranças, tão veementes que me
assolavam todo o corpo fosse o que eu quisesse fazer. Vendar os olhos para não
rever fotos antigas, amarrar meus pés para não correr ate a beira do mar para
sentir o vento daquele tempo que agora anda quente por aqui, prender minhas
mãos dentro dos bolsos para que não vasculhem todas as gavetas e caixas que
primorosamente guardam o meu passado, não deixando nenhuma réstia de papel para
demonstrar o paradeiro das decujas. Caixas selada e bem no alto, assim a coluna
que já não me serve como antes, trava se resolvo me esticar para pegar.
Meus braços ficaram abertos para o vazio,
porque quanto mais eu queria fugir mais eu me inclinava a recolher, mais me
parecia que estava tudo à mão, que eu poderia alcançar e me salpicar com o
sangue da saudade, com o rol de lembranças que ao invés de se organizarem para
o momento invadiam a alma aos borbotões, escalavam todos os momentos muito
rapidamente, pulando de um retrato para outro, confundindo às vezes o tempo e a
época, mas jamais se atrapalhando no sujeito.
Remoçou-me a entonação da voz, meus olhos
começaram a brilhar em diferentes tons, minha ansiedade se acotovelou no portal
do passado sem dali querer se evadir. Apareceram tantas palavras não ditas,
tantas dúvidas do tempo de então, que de uma maneira bem compreensível pedi
perdão à vida pela afoiteza de decisões da juventude.
E com esta historia diabólica a me circundar
a alma, acabei ficando a mercê de tudo o que lembrava aquele tempo perdido na
lonjura da vida e fui então refazendo novos retratos de mim mesma, fui pincelando
quem eu sou com algumas tintas antigas, ajustei o humor para aquele sorriso que
vazava da única foto que eu tinha e assim fui retocando um a um todos os
detalhes da minha figura, agregando também a situação, a juventude
transbordando, a roupa, os sinais corporais, o avanço e o recuo em dança
sublime. E assim eu vi com nitidez a Mesa 3, o pão , a água, a salada e os
dois.
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