segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Eles são assim


Chegou apenas espiando, sem fazer barulho, sem acordar os astros, sem mexer em nada no mundo físico e muito menos no astral. Não é hora para brincar de nada, de rir muito, de chorar muito menos. A cara de paisagem é a mais aconselhável. E foi deste modo, com um pé no desconhecido e outro aparvalhado que ele nasceu olhando para lugar nenhum, mantendo certa empáfia ao ocultar de si a visão mais ampla. Parecia, pelo menos para ele, que poderia ser uma atitude mais segura, mais safa.

Veio tímido, sem muita luz e com sopros de brisa parecendo que tinha algum receio, como se ao pisar de supetão pudesse estragar a noite anterior, que essa sim, veio para arrebentar a boca do balão, dos bem e dos mal educados, dos bem ou mal nascidos, dos com saúde ou sem, dos alegres ou dos tristes, dos com ou sem cachorro, dos importantes ou dos que se acham. Ele veio para todo mundo e adentrou nossas vidas com algum cuidado, mas sem pedir licença.

Ele é assim, tem cara de sonso, mas não tem piedade e vai rasgando de pronto a lembrança que colocou em risco o fígado de alguns muitos, baixou o olhar de quem falou demais e outro de menos, exacerbou a autoridade de um em cima do outro e a lista, por ser imensa nem lugar no papel tem. Com uma tentativa mais corajosa poderia se dizer que as contemplações mais profundas e com pudor vão se desdobrando para este dia que pelo jeito não quer amanhecer.

Deve ser porque o cara se percebe como o grande manda chuva, o grande adorado, o sujeito por quem todos esperam e nele depositam seu maior valor intrínseco que é a esperança. E vai se agregando deste jeito um grande suspiro coletivo que se desdobra como badaladas de um sino que vai contando, dia após dia, em tom monocórdio e sistemático, os minutos da  história. Implacável, ele se diz o dono de todos os segundos, minutos e horas que configuram uma sina, ele se abarcou de autoridade sobre as escolhas e se arvora de decidir sobre o fim. É chamado de “Vida”, porém a alcunha é “Ano Novo”.

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