Escolhi este lugar porque o meu desejo é
estar de agora em diante em um espaço que possa abrigar tudo o que eu sou, de
bom e de ruim, de lindo e de feio, de verdadeiro e falso, de quando eu nem
existia até os dias de hoje, o que, convenhamos, é uma aventura de certo modo
assustadora, porém, eu acredito em tempos ulteriores em que andei por aí sendo
outra.
Então, vejamos: o lugar pode ser pequeno,
igual a minha cabeça que se assemelha à da minha mãe e não sei se é bom ou
ruim, mas enfim a genética está ai para fazer de nós retratos bem ou mal feitos
dos antepassados. Começo bem minha proposta do novo lugar para sempre, em que
pretendo aninhar todas as minhas idades em ordem cronológica impecável, desde
quando eu portava longos cachos dourados que minha mãe enrolava com orgulho até
agora quando estes, que ainda enredados, recebem, não os maternais dedos em
volúpia de orgulho pela cria, mas os cremes de ultima geração que agora, em
segundos, envolvem a cabeleira já grisalhando.
Mas parece que isso é apenas um bom começo,
porque muitas outras estórias estão guardadas e que me vêm à lembrança de
maneira muito sintomática, conforme meu estado de espirito que vacila com o
clima. Uma residência com o mar pela frente modifica o humor de qualquer um e
assim se parte para uma integração com as marés, as luas, os ventos e as
ressacas. O vivido vai mudando de tom à medida que o olhar se afunda em conluio
com a natureza estrondosa e o som incessante do oceano gerando no ar uma
dúvida.
E assim, como quem não quer nada, as minhas
experiências vão formando uma fila desafiadora à minha frente como se fossem
personagens de uma peça de teatro antigo, onde o figurino, a maquiagem, a fala,
a interlocução, o cenário e o enredo se tornam um acontecimento primoroso e, mesmo
que eu me defenda do que vai acontecer acabo por permitir que todas estas
delicadas lembranças se enfunem pelo ponto de evasão da casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário