sábado, 2 de setembro de 2017

Mudando


Escolhi este lugar porque o meu desejo é estar de agora em diante em um espaço que possa abrigar tudo o que eu sou, de bom e de ruim, de lindo e de feio, de verdadeiro e falso, de quando eu nem existia até os dias de hoje, o que, convenhamos, é uma aventura de certo modo assustadora, porém, eu acredito em tempos ulteriores em que andei por aí sendo outra.
Então, vejamos: o lugar pode ser pequeno, igual a minha cabeça que se assemelha à da minha mãe e não sei se é bom ou ruim, mas enfim a genética está ai para fazer de nós retratos bem ou mal feitos dos antepassados. Começo bem minha proposta do novo lugar para sempre, em que pretendo aninhar todas as minhas idades em ordem cronológica impecável, desde quando eu portava longos cachos dourados que minha mãe enrolava com orgulho até agora quando estes, que ainda enredados, recebem, não os maternais dedos em volúpia de orgulho pela cria, mas os cremes de ultima geração que agora, em segundos, envolvem a cabeleira já grisalhando.
Mas parece que isso é apenas um bom começo, porque muitas outras estórias estão guardadas e que me vêm à lembrança de maneira muito sintomática, conforme meu estado de espirito que vacila com o clima. Uma residência com o mar pela frente modifica o humor de qualquer um e assim se parte para uma integração com as marés, as luas, os ventos e as ressacas. O vivido vai mudando de tom à medida que o olhar se afunda em conluio com a natureza estrondosa e o som incessante do oceano gerando no ar uma dúvida.
E assim, como quem não quer nada, as minhas experiências vão formando uma fila desafiadora à minha frente como se fossem personagens de uma peça de teatro antigo, onde o figurino, a maquiagem, a fala, a interlocução, o cenário e o enredo se tornam um acontecimento primoroso e, mesmo que eu me defenda do que vai acontecer acabo por permitir que todas estas delicadas lembranças se enfunem pelo ponto de evasão da casa.

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