quinta-feira, 6 de julho de 2017

Tapete de folhas


Arremessaram assim, como quem não quer nada, este tapete de folhas na minha calçada imaginária, me ferindo os olhos por seu estapafúrdio colorido que se encarregou de arremeter a imagem, no mesmo instante, para o meu pensamento e de lá não mais quis sair. Entreverado nos meus aforismos que por si só se atrapalham, veio ele, dono de si e de mim colocando tal cor nas minhas manhãs cinzentas e assim me iludindo sobre o matiz da vida.

Com toda esta movimentação e assédio em torno da peça, resolvi que em minha fantasia ele não mais iria ficar e assim o coloquei em realidade, bem defronte a mim e fui, com muito cuidado, com ele em mãos, posicionando-o em vários recantos da casa para ensaiar uma dança, somente nossa, e verificar qual o seu melhor abrigo.

Na entrada da casa, do lado de fora, nem pensar, porque haveria de logo perder suas cores ao ver a movimentação inoportuna dos meses de verão, mais não seja o de receber um bom olho gordo de tão lindo que ele é. Já dentro da sala, na entrada, também não, ora se ele poderá se prestar a receber tudo o que vem da rua, se misturando em sua textura impecável outras espécies menos brejeiras.

Arrastei-o para o centro da sala, mas não ficou legal porque havia os outros compadres dele que não gostaram da companhia, talvez porque sua tonalidade é afrontosa e meu chão pede paciência e cores clássicas, além de não haver combinação nenhuma entre eles.

Levei-o para a cozinha, em frente a pia onde passo tanto tempo na alquimia dos alimentos, onde o espaço é pequeno e na medida dele, mas ao ver-lhe deitado no chão, pensei o quanto do dia que o pisotearia sem dó nem piedade e claramente veria a sua tonalidade se esvanecer. Não, este tapete de folhas fomenta a vida só de olhar, não terá seu fim no espaço em que se mata a fome.

Rumei para o espaço mágico que me acolhe boa parte do dia, olhando ao longe, dando tratos à bola na invenção, pensando um pouco de tudo e também tudo de nada, onde eu fujo de mim e ao mesmo tempo me encontro, onde enxergo o mundo e me arvoro de ignorá-lo solenemente. Sim, é aqui nesta parede frente a mim que o magnifico tapete de folhas coloridas com escândalo irá se assentar.

Um comentário:

Capitani disse...

Sutil e elegante! Adorei!

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