Ela pegou aquela maleta pequena que ficava
embaixo da cama da avó e, por isso mesmo, ela pressentia que já havia algum
conteúdo dentro, uma vez que já estava um pouco pesada, sem ela sequer ter
separado suas coisas. Olhou no entorno e, com surpresa, verificou que não havia
nada para juntar porque assim, de repente, quando na cabeça lhe surgiu a ideia
de se evadir, preocupou-se de certo modo com a bagagem e dentro da cabeça dela
havia tanta coisa para levar que talvez nem desse para executar seu plano,
intempestivo de certo modo.
Não desistiu de continuar procurando suas tralhas
porque com certeza elas estavam ali, em algum lugar certamente, só que por
algum motivo a menina não as enxergava, ou melhor, não se apresentaram para
serem despachadas na sacola de couro velho seus alfarrábios, suas canetas hidrocor,
seus blocos de anotações, seus sapatos rotos, suas mantas, seus vestidos e
todos aqueles “allstar” sujinhos de
tanto andarem por ai. Nadinha se alistou para se incorporar a esta aventura,
mais não seja para cobrir seus pés na caminhada, aquecer as noites geladas que
estão por vir, e, muito pior, nem uma ponta de lápis com papel para que consiga
assim registrar sua vida de ora em diante.
Voluntariosa que a menina era decidiu que sua
partida não seria efêmera nem de sua imaginação – como acontecia tantas outras
vezes – desta vez, seria de verdade e, então percebeu que a falta de “coisas”
para levar era apenas um sinal, um alerta para que agora levasse apenas a si
mesma e aquela velha mala de couro vazia como companheira.
E deste modo alcançou o umbral desejado, o
caminho desconhecido que sempre lhe seduziu, mas que a coragem nunca a deixou
trilhar, ali estava ela, de frente para o nada com tudo a ser feito e por isso
mesmo começou imediatamente a costura de sua nova vida.
De cara, abriu a velha mala que, mesmo vazia,
e talvez por isso mesmo, tanto conteúdo portava e que provavelmente sua avó foi
quem ali depositou com tanto amor muitas das ocasiões de quando muito pequena
era. A menina pensou que este propósito só podia ser para lembra-la que somos
quem nos criou e ali, muito organizadas estavam as suas melhores lembranças,
suas experiências mal sucedidas, seus sucessos, seus familiares, seus carinhos distribuídos
e recebidos, seus folguedos de criança, suas amizades, sua família, suas
bonecas, sua poltrona de leitura, suas bicicletas. E foi assim que a menina
descobriu que em uma mala vazia estava toda a sua vida.
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