sábado, 1 de julho de 2017

A maleta


Ela pegou aquela maleta pequena que ficava embaixo da cama da avó e, por isso mesmo, ela pressentia que já havia algum conteúdo dentro, uma vez que já estava um pouco pesada, sem ela sequer ter separado suas coisas. Olhou no entorno e, com surpresa, verificou que não havia nada para juntar porque assim, de repente, quando na cabeça lhe surgiu a ideia de se evadir, preocupou-se de certo modo com a bagagem e dentro da cabeça dela havia tanta coisa para levar que talvez nem desse para executar seu plano, intempestivo de certo modo.

Não desistiu de continuar procurando suas tralhas porque com certeza elas estavam ali, em algum lugar certamente, só que por algum motivo a menina não as enxergava, ou melhor, não se apresentaram para serem despachadas na sacola de couro velho seus alfarrábios, suas canetas hidrocor, seus blocos de anotações, seus sapatos rotos, suas mantas, seus vestidos e todos aqueles “allstar”  sujinhos de tanto andarem por ai. Nadinha se alistou para se incorporar a esta aventura, mais não seja para cobrir seus pés na caminhada, aquecer as noites geladas que estão por vir, e, muito pior, nem uma ponta de lápis com papel para que consiga assim registrar sua vida de ora em diante.

Voluntariosa que a menina era decidiu que sua partida não seria efêmera nem de sua imaginação – como acontecia tantas outras vezes – desta vez, seria de verdade e, então percebeu que a falta de “coisas” para levar era apenas um sinal, um alerta para que agora levasse apenas a si mesma e aquela velha mala de couro vazia como companheira.

E deste modo alcançou o umbral desejado, o caminho desconhecido que sempre lhe seduziu, mas que a coragem nunca a deixou trilhar, ali estava ela, de frente para o nada com tudo a ser feito e por isso mesmo começou imediatamente a costura de sua nova vida.

De cara, abriu a velha mala que, mesmo vazia, e talvez por isso mesmo, tanto conteúdo portava e que provavelmente sua avó foi quem ali depositou com tanto amor muitas das ocasiões de quando muito pequena era. A menina pensou que este propósito só podia ser para lembra-la que somos quem nos criou e ali, muito organizadas estavam as suas melhores lembranças, suas experiências mal sucedidas, seus sucessos, seus familiares, seus carinhos distribuídos e recebidos, seus folguedos de criança, suas amizades, sua família, suas bonecas, sua poltrona de leitura, suas bicicletas. E foi assim que a menina descobriu que em uma mala vazia estava toda a sua vida.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...